Manel é um homem nos seus 50 e muitos, embora pareça mais velho do que é. Viciado em erva, que ele próprio planta e seca, recorrendo a essa ilusão mais do que uma vez por dia.

Obcecado em teorias da conspiração, ouve e vê tudo que lhe chama a atenção, assumindo como verdadeiro tudo o que a sua mente enevoada entende como certeza.

Os seus temas de conversa andam sempre, mas sempre, em redor deste tema: a nova ordem mundial.

Ao mesmo tempo que consome essas teorias, ouve música em conformidade, algo psicadélica, algo mais suave, conforme o seu estado de espírito.

O seu dia começa logo na descoberta de algo que conspira, não trabalha, por isso nada lhe ocupa a mente, para além da sua necessidade de “conhecimento”.

Solitário, ansioso, drogado e desajustado deste planeta, e das pessoas que o habitam, prefere alhear-se do que acontece ao seu redor para poder viver na ideia de que seres de outro planeta comandam, desde o centro da terra, nós, os humanos.

Manel está recorrentemente doente e diz que é da engenharia climatérica, dos aviões que lançam poeiras durante a noite, para que o ser humano padeça de males vários… nada terá que ver com o facto de ser um fumador de décadas de várias substâncias.

Manel não aceita que o questionem, que discordem dele ou que de alguma forma o impeçam de fazer o que quer, quando quer e como quer, tornando a convivência difícil, tóxica e castradora, sendo um alívio quando Manel não está ao redor.

A doença de Manel sente-se ao longe, ninguém se sente confortável, mas ninguém lhe diz, talvez porque sabem que a comunicação é difícil e ninguém se dá a esse trabalho.

O que será que Manel tem?

De onde virá a necessidade deste alienamento da sua própria vida?

O que teremos nós?

Manel poderá viver em depressão profunda há anos, sem um sentido de ligação, um sentido de pertença, um sentido de transcendência para que haja algo que o faça parte de algo maior do que apenas as suas preocupações egoístas gerais, estas são todas as necessidades que todos temos, e que precisam de ser satisfeitas, com essa satisfação nós prosperamos, sem essa satisfação nós mirramos, e, talvez, seja isso que aconteceu ao Manel. O Manel mirrou a sua existência, por carências não satisfeitas, várias.

Manel não entende que ninguém tem tudo decifrado, nem ele nem as suas teorias.

A beleza da vida estará precisamente nisso, que ninguém, em tempo ou lugar algum, irá ter tudo decifrado, por mais que finjam que sim, por isso, resta-nos a aceitação desse facto.

Talvez o Manel nos faça lembrar que poderão existir circunstâncias na nossa vida na nossa infância que eventualmente nos leve a esse alienamento, a esse não querer existir na realidade presente.

Manel é por isso um ser humano normal, um ser humano que escolhe fugir dos seus monstros, através das teorias da conspiração e da droga, mas há várias formas de fuga da dor que o ser humano usa, distraindo-se, umas muito evidentes, o corriqueiro na nossa sociedade, álcool, droga, jogo, comida, sexo, outras menos evidentes, trabalho a mais, desporto a mais, Netflix a mais, cursos a mais e até a leitura a mais.

No fim, será tudo o que evite a nossa solitude, o estarmos apenas connosco, sem distrações, totalmente a sós.

O olhar para dentro, para o que foi e o que é a nossa vida, os nossos dramas existenciais, os nossos traumas conscientes e inconscientes, é, talvez, o processo mais doloroso, porque implica uma morte de quem nós achamos que somos, e um renascer do nosso eu verdadeiro, e isso é, talvez, o processo mais libertador que existe.

Mas para isso acontecer, em algum momento da nossa história, teremos de permanecer inertes e em contemplação de nós mesmos.

Isto é apenas uma teoria, mas estou convicta, que em algum nível, somos todos Maneis!