Là sont li grant secré escrit
Qu'on nomme le Graal et dit

(Robert de Boron)

Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?

(Fernando Pessoa)

Depois do folheio de algumas manifestações estéticas do Graal, assinalámos algumas cartografias do Graal.

O itinerário da génese da ficção:

Podemos, claro, tentar seguir as manifestações literárias do Graal no tempo e no espaço, começando pelos autores fundadores, conhecidos e/ou misteriosos… busca algo detectivesca que muitos ensaiaram. Registarei alguns itinerários entre Ocidente, Oriente e… o Éden.

Da Arábia, via Toledo até Anjou

Se Kyot, o Provençal, é a fonte, o escrito-fonte é encontrado em Toledo, recolhido de uma tradição árabe, muçulmana, onde os “encantadores” são guardiões do segredo sondado e pressentido nas velhas crónicas de Anjou… Seria em terras de Anjou, como afirma Pierre Ponsoye (L’Islam et le Graal, 1957) e nessa dinastia que tudo se passaria, com Gahmuret descendendo de uma “raça primordial” do Paraíso Terrestre (Terre de la Joie)…

Flandres

Chrétien de Troyes teve, entre 1160 e 1172, o patrocínio de Maria de França ou de Champanhe (1145-1198), filha do rei Luís VII e de Leonor de Aquitânia, mulher do conde Henrique I de Champanhe. Mais tarde, ele serviu na corte de Filipe da Alsácia (1143-1191), o Grande, conde da Flandres e da Alsácia, que também patrocinou a escrita sobre o Graal, protecção continuada pelos descendentes de Filipe com a segunda mulher, Teresa de Portugal (ou Tarasia ou Matilde ou Mahaut, 1151-1218), filha de D. Afonso Henriques e de Mafalda de Sabóia, Duquesa da Borgonha em segundas núpcias (renovando a Dinastia Capetiana, à qual também pertencia, pelo segundo enlace com o seu primo, o duque Eudo III da Borgonha ou Odão III). Mais tarde, Joana de Flandres, ou de Constantinopla (c.1200? - 1244), filha mais velha de Balduíno IX (Conde de Flandres e de Hainaut e Imperador Latino), e de Maria de Champanhe (c. 1174–1204), Imperatriz-consorte do Sacro Império, neta de Luís VII de França e de Leonor da Aquitânia) teria sido, segundo alguns, autora do Manessier da Continuação (a Terceira Continuação), merecendo, no Album du cortége des Comtes de Flandres (1849), uma sua representação simétrica da de Europa raptada (só que a cavalo e com um falcão de caça na mão). As sequelas e o mecenato flamengo continuam…

O sucesso justificará justas e torneios sob o signo do “Gral”, o mais célebre dos quais teria sido organizado por Brun von Schonebeck, em Magdeburg, em 1280. O prémio seria uma bela mulher de moral duvidosa, referida como “Frau Feie” (“Senhora Encantamento”).

Septimânia

Em 1996, René Zwaap diz que a sua busca do Graal passou pelos mais diversos lugares (Punjab, na Índia, fortalezas cátaras do sul de França, Etiópia, palácio de Atreu em Micenas, templo de Zeus em Dodona, mosteiro de Montserrat em Espanha, palácio de Chosroes na Pérsia e lugares sagrados em Constantinopla), mas que tudo conduz à casa de Orange: estaria guardado desde 1860 num cofre do Lloyds Bank em Aberystwyth, encarado como troféu, e a família Powell, sua proprietária, permitia que ele saísse ocasionalmente para realizar curas milagrosas. Era a Taça de Nanteos, que Richard Wagner foi ver. Ora, Guilherme de Orange, conde de Razès, Barcelona e Toulouse, duque da Aquitânia, paladino de Carlos Magno, dominou um imenso território (do sul da França aos Pirenéus espanhóis) e tinha o escudo adornado com o Leão de Judá, evocando a Casa de David e antecipando o leão holandês (origem da Casa de Orange-Nassau). Em 806, ingressou num mosteiro que fundou e dedicou-se inteiramente ao estudo. Segundo Werner Greub, teria sido lá que Guilherme-Kyot-Parsifal escreveu a história de Parsifal, que chegou aos trovadores por tradição oral e, quiçá por escritos incompletos, a Eschenbach.

Werner Greub (A Busca do Graal – Wolfram von Eschenbach e a realidade histórica, 1974) defende que a fonte do poeta medieval alemão Wolfram von Eschenbach é "mestre Kyot le Provençal” e que Parsifal seria o famoso Guilherme de Orange, paladino de Carlos Magno, padroeiro dos cavaleiros e fundador da casa de Orange e da abadia de Gellone em Saint Guilhelm le Désert, assinalando os locais percorridos por ele na sua busca do Graal por aquilo que hoje é a França, a Suíça e a Alemanha: na Alsácia, Mulhouse (denominado Roisabins no "Parzival") e Barr (Bêâlzenân); no noroeste da Suíça, Porrentruy/Puntrut (Punt); Arlesheim (território francês até 1815) a estrada para Parzival que ele teria tomado em 841 próximo de Birse em direção à corte do Rei Arthur em Nantua (Nantes) perto de Genebra; Besançon, onde Greub coloca os aventureiros do cavaleiro arturiano Gawain no campo de batalha; Grenoble (Grâharz), no país de Graisisvaudan (Grâswâldân), onde Parzival por duas semanas ficou sob os cuidados de seu tio Gurnemanz, cavaleiro, de onde teria seguido para Montpellier (Pelrapeire), onde conheceria sua futura esposa e Kyot da Catalunha; por fim, via "Les Saintes Maries de la Mer" e o Museu Camargue, em Saint Guilhelm-le-Désert, a noroeste de Montpellier.

O Arlesheim Hermitage teria sido, no século IX, a paisagem do Graal ‘Terra de Salvaesche’, o palco central dos eventos do Graal que ocorreram durante esse período. Rudolf Steiner designou toda essa área como Território do Graal, onde teriam ocorrido os encontros de Parzival com Sigune e com Trevrizent. E defendia haver vários castelos do Graal, hesitando entre o norte Espanha e, mais tarde, Montségur, no sul França. Greub situa o castelo do Graal Munsalvaesche perto de Dornach/Arlesheim, identificando os outros sítios em função dele (Hornichopf=Munsalvaesche, Rengersmatt=Soltane Hermitage, Münchenstein=Castelo de Karchobra, Dorneck=Pavilhão de Caça de Arthur, Birseck= lugar de Sigune e de Trevrizent, etc.) e, com base nas constelações referidas no Parsifal, deduziu uma cronologia das rotas de Parsifal, do Rei Artur e do cavaleiro Gawain na primeira metade do séc. IX.

Aragão

Philip Coppens (Servants Of The Grail. The Real-Life Characters Of The Grail Legend Identified, 2007) e André de Mandach (‘Le Roman du Graal’ originaire, 1992), seguidos por outros, identificam as figuras históricas nas quais os protagonistas da história do Graal se baseariam e a natureza do próprio Graal: o relato reflectiria os eventos de 1104 a 1137 na corte real de Aragão (norte da Espanha), tendo como principais protagonistas a família régia e a chegada de um sobrinho (Rotrou II de Perche, ou seja, Perceval).

Roma

Mas também Sebastian Evans (Em Busca do Santo Graal, 1898) fala de um sonho incrível, que identifica Inocêncio III com o Pescador Rico, o Imperador com o Rei do Castelo Mortal, São Domingos com Perceval, o Interdito de 1208 com a languidez e encantamentos da Bretanha, e a pergunta que deveria ter sido feita, mas não foi, com a omissão de S. Domingos para garantir a isenção dos cistercienses de certos efeitos do Interdito. Nessa hipótese: Lancelot seria o velho Simon de Montfort; Gawain, Fulke de Marselha; Alain le Gros, Alanus de Insulis, o Doutor universal; Yglais, a mãe de Perceval, a Igreja Católica; e o Graal, a Eucaristia, que é negada a Logres.

Sacro Império

Parsifal insinua, para alguns, um paralelismo entre o Reino do Graal e o Sacro Império de Frederico II (1194-1250) da época de Wolfram von Eschenbach. Gibelino, foi aclamado Imperador do Mundo pelos Teutônicos e pelos Templários e, organizou a 6ª Cruzada, seguindo para Jerusalém, onde os príncipes muçulmanos lhe entregaram as chaves da Cidade Santa e o aclamaram, por sua vez, soberano do Ocidente e do Oriente. Viveu a convicção de ser divino, messias imperial, segundo Mircea Eliade.

Apesar da tentação de continuar, suspendamos este itinerário de itinerários feito já sob a vertigem das listas (Umberto Eco). E tomemos o fôlego para ponderar alguns cálices e as suas histórias, matéria da próxima etapa da nossa viagem.