Às vezes, abrir os olhos e enxergar em volta significa nada perceber, salvo medo, impossibilidades e ameaças. Doenças terminais, por exemplo, em meio a seus processos sinalizam para possibilidades de cura, de pequenas modificações, pequenas melhoras, ou para impossibilidade total de recuperação. Nesses casos, saber o que vai acontecer pode emudecer, entorpecer.

Tudo que destrói perspectivas, destrói também a motivação e a espontaneidade cotidianas. Não saber o que fazer, por saber o que vai acontecer é a velocidade que alucina quando se descobre não haver o pedal, o manômetro, o sinal que freia. Estar entregue à própria sorte, ao processo estruturante que imobiliza, mas também desperta, leva a descobrir onde reside o humano, onde está a mola que distingue o vivo do inerte, o humano do desumano, o determinado do indeterminado. Os acontecimentos inesperados, portanto vistos como novos, resultam da simultaneidade, do confronto de estruturas antagônicas, não são decorrentes de fatos específicos. Em geral eles estabelecem impasses diante do que se percebe como intolerável ou tolerável, que irreversivelmente apontam para novas situações, e é isso que precisa ser percebido, apreendido.

Vida é continuidade, é processo, não há como reduzi-la a causas geradoras de efeitos, criadoras de novidades, como se fosse uma série de sucessões que se desdobram infinitamente. Quando falamos em processo é preciso entender que todo processo é passível de ser configurado enquanto dialética. Significa afirmar que existe movimentação permanente, intrínseca ao próprio processo, como: tensão entre situações diversas e opostas, teses e antíteses possibilitadoras de sínteses, ou seja, impasses que decorrem das forças em jogo, das inúmeras variáveis que precisam ser globalizadas para não cairmos nas conclusões unilaterais, reducionistas, que explicam os acontecimentos como se tivessem uma causa iniciadora, uma origem determinada. Reduzir o processo da vida a causas e efeitos é um reducionismo que nos custa caro, dificulta a compreensão e nos mantêm fragmentados, impedindo globalizações.

A vida é regulada e difundida por ela própria e quando acontece o que não se deseja são criadas explicações quiméricas, absurdas, para entender falhas e fracassos. Quando uma situação determina outra, que por sua vez determina outras, deter-se em uma delas pode fazer surgir sinais que indicam o que se supõe ser causa ou o que se supõe ser efeito, entretanto, esses indícios não passam de sinalizações, etiquetas que apenas escondem o dado, a continuidade, escondem o fato de que nada começa nem acaba, as situações continuam e se interpõem, cruzam e enrolam. O que existe é interseção, agrupamento de contradições e confirmações. Planícies, montanhas, vulcões são apenas paisagens em configurações visíveis. É inevitável lembrar Chuang-Tzu e sua dúvida ao acordar e lembrar que sonhou ser uma borboleta: "será que eu era Chuang-Tzu sonhando ser uma borboleta ou sou agora uma borboleta adormecida sonhando ser Chuang-Tzu?"

O que pensar? O que fazer? O que sentir? Tudo isso é abrupto, são pedradas jogadas pela interposição arbitrária de vivências. Distinguir, diferençar é apenas assinalar. Precisamos entender que essas marcas criam novos referenciais que permitem perceber detalhes ou totalidades inseridas em outras dimensões. Essas "conversas" ou esse diálogo constante é o que nos motiva, anima ou também desanima. É o contato com o outro, com o mundo. É espelho que nos revela. É o que permite percepção, constatação, mudança, aceitação/não aceitação.