Todo começo de ano (mas ultimamente o ano todo) é a mesma coisa: redes sociais, editoriais e colunas na internet se inflamam com textos e dicas (des)motivacionais sobre como se destacar no mercado, como você pode ser o protagonista da sua própria história, como o sucesso pode atrair oportunidades etc. Geralmente, esses artigos apresentam recomendações como: "n passos para alcançar o sucesso" e "como ser bem-sucedido?". Também são apresentadas características principais de pessoas bem-sucedidas, dicas de como ter sucesso em sua jornada profissional, como alcançar o sucesso profissional e ter a vida que sempre quis, e a ideia de que sua felicidade é o seu sucesso, então por que não começar agora? Blá, blá, blá.
A palavra "sucesso" é muito buscada no Google, estampada em imagens e publicações no LinkedIn. Dependendo do lugar em que você pisar, também vai receber votos de sucesso (como no dia em que comprei um perfume francês no shopping e ouvi da vendedora: “Desejo muito sucesso com o perfume!”). Além disso, quando comento que sou escritora, recebo votos de sucesso até mesmo de pessoas que eu nunca vi na vida. Eu penso: "peraí, não sou o Stephen King nem a Agatha Christie para ter tanto sucesso assim".
Pois bem, caros leitores, o sucesso é a régua que mede o valor que você tem, o tamanho das suas conquistas, o poder das suas escolhas, o sentido da sua vida, mas, mais importante, estabelece um ranking das pessoas que são melhores, medianas ou medíocres na busca por resultados ou êxitos profissionais.
O sucesso virou a regra da vez, ganhando mais visibilidade e proporção com as mídias sociais. Se antes nos comparávamos dentro do escritório, hoje nos comparamos fora dele a cada novo story, postagem ou testemunho nas redes. Sim, porque para cada nova promoção, uma atualização é feita e proclamada em sua rede social profissional.
Para algumas pessoas (pelo menos as que eu conheço), o sucesso se tornou vital e crucial para se levantar da cama, mesmo em meio ao estresse, burnout ou o que quer que chamem hoje em dia no lugar de: "Estou de saco cheio, mas vou respirar fundo." O sucesso como obsessão (e busca pelo potinho de ouro no fim do arco-íris) impede que o ser humano valorize as conquistas que já alcançou, direcionando o seu olhar sempre para o que falta, e nunca para o que já tem.
Os casos de sucesso ganham ainda mais visibilidade quando comparados a histórias de superação. Outro dia, apareceu na minha página do LinkedIn um post sobre uma mulher que, no passado, havia sofrido violência doméstica e hoje é diretora executiva de uma grande empresa multinacional. Apesar dos méritos da profissional, achei a mensagem do post um pouco enviesada e pensei: “Preciso ter superado algo (como tragédia familiar, catástrofes, morte, abuso, fome, cárcere etc.) para ser reconhecida (gerando muitos likes) e aclamada como uma grande profissional? Não basta ser uma escritora independente em busca de oportunidades? Pode até ser, mas se não tiver uma trajetória que gere comoção, acho um pouco difícil, embora não impossível.
É a partir deste ponto que surgem as comparações: "Ela é melhor do que eu (tem mais visibilidade)", "Nunca serei como ela", "Não sou o Stephen King (famoso escritor norte americano) e tenho que me acostumar com isso", "Eu sou diferente das outras pessoas", entre outras.
O sucesso é um estado que nunca está satisfeito com o que tem. Na sociedade atual, não basta ser bem-sucedido, é preciso manter o engajamento. Aconteceu, virou podcast! Parafraseando o psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung: “Minha vida é um podcast que não se realizou”. Para quê livros e contos de ficção? Estamos na era das obras sobre crimes reais (e como fazem sucesso!).
É isso, leitor: de tanto acreditar que não fazia parte da "majestade" "o sucesso", me tornei obcecada por ele. A obsessão me levou a uma angústia desenfreada, até o dia em que me deparei com um artigo (e um vídeo) da BBC que mudariam completamente minha visão sobre o que é, de fato, ser bem-sucedido na vida. E desta vez, tinha tudo a ver comigo...
Um estilo de vida mais leve, sem priorizar a carreira. Como é a vida de uma "soft girl"?
Não sou obrigado a vencer, mas tenho o dever de ser verdadeiro. Não sou obrigado a ter sucesso, mas tenho o dever de corresponder à luz que tenho.
(Abraham Lincoln)
Sou inscrita no canal da BBC News Brasil e confesso que fiquei bastante intrigada com a seguinte manchete de um dos vídeos: "As mulheres suecas que estão parando de trabalhar". O conteúdo narra a vida de uma jovem sueca que, aos 25 anos, decidiu deixar o emprego para se tornar uma namorada que fica em casa e ter uma vida mais tranquila, longe do estresse do dia a dia e das cobranças de uma carreira profissional. Na prática, ela conta com o apoio financeiro do namorado, que contribui dando a ela uma mesada, para que ela possa aproveitar o tempo cuidando do corpo (indo à academia) ou apreciando um bom café em alguma cafeteria local.
Ainda segundo a publicação da BBC, o estilo de vida adotado pela jovem faz parte da microtendência descrita como soft girl, uma identidade feminina que adota um estilo de vida mais meigo e delicado, em vez de se concentrar em uma carreira profissional. Além disso, uma pesquisadora que estuda essa tendência entre jovens afirmou que o propósito está em se afastar do ideal de girl boss, no qual a cobrança pelo sucesso é muito alta, prejudicando assim diversos aspectos da vida. Isso tem impactado a saúde mental de muitas jovens, conclui o artigo.
Essa publicação conversou comigo e me fez refletir sobre a minha vida sob diferentes perspectivas. Perseguir o sucesso é como correr atrás do vento: você sabe que ele existe, até consegue senti-lo, mas é difícil mantê-lo sempre consigo. É transitório, é um fim em si mesmo, e pode transformar a sua vida em um *check list" de sintomas físicos e emocionais.
O ser humano é muito diverso para ser colocado na mesma caixinha. Assim, o sucesso não é um estado que será alcançado por todos. O grande problema está no tipo de régua que você usa para se comparar com pessoas de grande prestígio. Como diz minha psicóloga: “Daniela, você está aqui embaixo; agora olhe em que posição está o seu escritor favorito, Stephen King, que já é um sucesso de vendas há muito tempo”. Essa observação suscita outra questão: você se sente frustrado demais por ser você mesmo a ponto de querer se moldar à identidade da pessoa que tanto admira? Qual é o limite da admiração? Até que ponto isso é saudável e até que ponto isso fere a sua individualidade?
Por outro lado, ao ler a reportagem sobre o estilo de vida soft girl, identifiquei-me e admirei as escolhas das mulheres que, assim como eu, deixaram de atribuir o sucesso ao trabalho e o depositaram em si mesmas, trocando o mercado profissional pelo mercado de well-being (setor que abrange práticas de cuidado físico e mental).
É fato que ser uma soft girl requer suporte financeiro de um parceiro e a possibilidade de não precisar prover o próprio sustento. É necessário também que o casal entre em comum acordo sobre um dos dois deixar o emprego para se dedicar a projetos pessoais.
Comigo, a transição aconteceu da seguinte forma: ao ler o artigo, tomei consciência de que me tornei uma soft girl por frustração. Sempre busquei o meu “lugar ao sol” quando iniciei minha carreira de escritora, mas tem sido muito difícil, desde uma postagem no LinkedIn (que não rende tantas curtidas) até a elaboração de pitches sobre saúde mental, cujo retorno é quase como “um bilhete dourado” nos chocolates Wonka. Refiro-me a oportunidades pagas para escritores freelancers. Mesmo após reformular meu portfólio e fazer tantos cursos na área, eu simplesmente não sei "qual é o meu problema".
Como envio minhas propostas para outros países de língua inglesa, fico me perguntando se o problema não seria a barreira linguística (mesmo escrevendo bem em inglês), já que não sou uma escritora nativa da língua.
Diante disto, expus a situação toda ao meu marido, que de forma serena me disse:
-Amor, a sua vida não depende disso. Pare de focar nesse tal "sucesso ou reconhecimento", que talvez nunca venha, e foque o seu dia a dia em coisas que lhe tragam bem-estar, como cuidar do corpo, da alimentação e da sua mente. Trabalhe por prazer, não por obrigação. Eu posso cuidar de nós dois financeiramente, e nada nos faltará. Quero te ver feliz. Se eu pudesse, daria o mundo para você!
Essa conversa (que foi um refrigério para a alma), bem como a reportagem da BBC, me fizeram refletir e perceber que meu estilo de vida não é tão diferente quanto eu pensava. Percebi que faço parte de um grupo seleto de mulheres que optou por levar uma vida mais leve e mais voltada para si mesmas, em vez de continuar em uma vida de esgotamento e “eterno” reconhecimento profissional. Ao assumir a identidade de uma soft girl, percebi que o que me definia não era mais o trabalho, mas os meus valores pessoais. E isso acontecia assim que o sol tocava minha janela, com mudanças de estilo de vida.
Ao amanhecer, em vez de alcançar a xícara de café e "correr" para o computador, preparo uma mesa linda de café da manhã e pratico mindfulness eating (ou alimentação consciente), que consiste em comer de forma consciente e plena, sentindo paulatinamente os sabores dos alimentos e os sinais de saciedade do corpo (em vez de comer de forma rápida ou compulsiva).
Após o desjejum, é hora da escrita terapêutica, momento em que escrevo livremente em um caderno cheio de colantes coloridos os meus sentimentos e pensamentos mais profundos sobre o presente, o passado e o futuro. Trata-se de um exercício de introspecção que ajuda a lidar com questões pessoais e emocionais. Alguns ensaios de escrita terapêutica acabam se transformando em publicações em colunas ou blogs de saúde mental e psicologia. O objetivo das postagens é lançar luz sobre algumas patologias da mente e, principalmente, quebrar o estigma em torno da saúde mental.
Cuidados com o corpo também fazem parte da minha rotina de autocuidado. Ainda em estado de atenção plena, faço minha série de musculação e me concentro na respiração durante os exercícios. A fadiga muscular entre as séries me provoca um estado de êxtase e relaxamento. De repente, me sinto parte de um grande grupo (mesmo sem conhecer ninguém na academia), em busca de um objetivo comum: tornar o corpo bonito (sim, esse é o real objetivo, mas quase ninguém admite).
Quando o assunto é cozinhar em casa, a técnica se tornou um artigo de luxo na era do delivery. Ao comentar para algumas jovens que eu cozinho, elas arregalam os olhos e perguntam, surpresas: “Você trabalha como cozinheira?”. Eu lhes respondo que trabalho como escritora e que cozinho todas as refeições do dia para o meu marido e para mim. Eu sou do tempo do caderno de receitas, do avental na cintura e dos programas de culinária apresentados para donas de casa na década de 1980, como Cozinha Maravilhosa da Ofélia. Aliás, bons tempos aqueles...
E que tal relaxar no meio da tarde em um centro de estética, cuidando da pele, do corpo, das unhas e dos cabelos? Entre um procedimento e outro, faço uma pausa para tomar um cappuccino e colocar minhas leituras em dia, seja com revistas ou livros que levo comigo. Sim, sou do tempo do livro físico e da revista impressa e não abro mão disso. Quando termino minhas sessões, volto para casa mais leve e confiante, como "a melhor versão de mim mesma", uma das frases de efeito mais usadas entre os coaches, rs.
Tudo isso para dizer, prezado leitor, que após me identificar como uma soft girl, tirei um "peso das minhas costas" e compreendi que eu não estava mais sozinha neste mundo preconizado por girls boss, jovens ricas, empreendedoras e de grande sucesso. O meu trabalho, que antes ocupava grande parte do meu dia, hoje representa apenas uma fração dele. Eu trabalho por hobby, no tempo da inspiração (da criatividade). O sucesso não é mais a minha meta de vida, o meu bem-estar é.