Há 20 anos o amor levou o fotógrafo paulistano Jorge Camarotti para morar em Montreal (Canadá). “Conheci minha ex-esposa em São Paulo e ela recebeu uma proposta de trabalho irrecusável, e foi dessa maneira que eu vim para o Canadá, foi o amor que me trouxe e é o amor que me mantém aqui”. Amor que há dez anos fez com que o fotógrafo começasse a dirigir vários curtas metragens e documentários. O cinema de Jorge Camarotti não é raso, é profundo e ousado. Nesse mergulho na alma humana ele nos traz dramas reais que nos fazem refletir sobre escolhas complexas, muitas vezes, solitárias.

Em Ousmane é possível ver a perfeita cinematografia, a luz, enquadramentos costurados com o texto, onde vemos a alma do diretor. O filme mostra o encontro inesperado de dois vizinhos, até então desconhecidos, durante uma nevasca em Montreal - Canadá. Ousmane é o personagem interpretado pelo ator Issaka Sawadogo, nascido em Burkina Faso que encontra por acaso com sua vizinha Edith, interpretada magistralmente pela atriz canadense do Quebec, Marie-Ginette Guay. O realismo do drama é incontestável, em alguns momentos do filme o telespectador pode pensar: essa atriz sofre de demência? O que é ficção e o que é realidade?

Além da contemplação da solidão dos personagens, Jorge nos convida a refletir sobre nossa própria visibilidade num mundo caótico. Até que ponto somos visíveis ao outro? Tema complexo, texto autêntico com a sublime força de quem viveu e vive o drama do pertencer e não pertencer a um país onde ele não nasceu, que “acha” sentido para a vida ao se deparar com o drama de alguém que vive o estar e não estar no mundo. Dimensões paralelas? Conexões? O drama de Ousmane se cruza com o de Edith. Ambos compartilham o olhar apático da sociedade, “Ousmane é isso, a gente está falando de imigrantes e de pessoas idosas que no olhar da sociedade são praticamente invisíveis, esse foi o meu objetivo ao escrever esse filme”.

Em 2022, segundo o Departamento da Imigração, Refugiados e Cidadania do Canadá (IRCC), o país recebeu um número recorde de imigrantes 431.645 novos residentes permanentes, excedendo os números de 2021. Uma publicação do departamento da saúde do governo do Canadá diz que, anualmente, há aproximadamente 76.000 novos casos de demência. Isso representa 14,3 novos casos por 1.000 na população idosa (65 anos ou mais). A incidência é maior entre as mulheres do que entre os homens.

Ousmane e Edith vivem a solidão da imigração e da demência, mesmo o personagem principal convivendo com um núcleo familiar (esposa e duas filhas) e constantemente em contato com seus familiares em seu país de origem, mas sofre do sentimento do viver em dois mundos, drama compartilhado também pelo diretor. “O Ousmane veio para mim com uma maneira de criar um certo controle da minha vida, de um modo de ficção, eu tinha de mudar o foco para minha realidade que é essa de estar aqui no Canadá, mudar o foco do amor para uma coisa mais próxima, não para algo que eu não podia fazer, como cuidar da minha família, dos meus entes queridos”. Perguntei para o Jorge quanto do diretor existe no personagem? Resposta imediata: “100 por cento!”.

Edith vive a completa solidão mental causada pela doença e emocional: o abandono de sua família. A situação dela muda quando Ousmane passa a ser uma espécie de cuidador e a leva para jantar com sua família. A única cena que Edith sorri é quando as filhas e a esposa de Ousmane cantam.

O objetivo de Camarotti em seus filmes é transformar o olhar da sociedade: “Para mim você não pode sair da sala de cinema sem ter absorvido alguma coisa diferente com relação a vida cotidiana. Eu espero continuar trazendo histórias que façam as pessoas olharem para esses indivíduos que são invisíveis, que estão ali do teu lado, mas você nunca viu”.

A critica e os principais jornais e revistas de cinema aplaudiram o curta. Ousmane ganhou mais de 20 prêmios e indicações e está entre os top 10 do ano de 2022 do site Vimeo, além de fazer parte do acervo permanente da revista The New Yorker.

Direção: Jorge Camarotti
Duração: 25 minutos