Estava no ginásio numa aula de body combat, quando me apercebi que a maioria dos alunos eram mulheres. Nessa aula em particular, está uma mulher na minha frente, talvez perto dos seus 50, que soca no adversário ilusório, com uma vontade herculeana.

Guerreiras, todas elas sem exceção, que fervilham na emoção do soco, do pontapé da joelhada. Aquelas mulheres a espancarem o ar. A raiva, a força, o suor que descia pelas costas, a quase sôfrega vontade de simplesmente esmurrar alguém que esteja em frente, de lado, ou atrás. Talvez não seja uma pessoa ou pessoas, talvez sejam situações do dia-a-dia que se vão acumulando, pequenas frustrações que ficam grandes com o passar do tempo e dos anos. Talvez seja o marido, filhos, companheiros, companheiras, amigos, colegas, chefes, trabalho, trânsito… decepções, desilusões, tudo é válido, escolham.

A violência visceral que se sente naquela sala, a liberação de endorfinas, será equiparável, talvez, a uma quase catarse semanal do peso que trazem e que deixam ali… no ring, também ele, imaginário. Elas contra a vida…

Isto diz muito de nós… praticamente só mulheres que batem no ar que suam, que usam o remoer de emoções de revolta de raiva de frustração de forma animal, para de alguma forma renascerem ao fim de 60 minutos. É algo bonito de se ver, de assistir, e de se fazer…

Tanta beleza nesses momentos, deixar que a raiva, tantas vezes ignorada porque tida como uma emoção feia, quase proibida… incutida como tal, para que a menina seja sempre perfeita, bonita, sossegada, silenciosa…ali isso cai, desaparece, explode… o copo enche e permitem-se não ser nada, apenas esse pequeno monstro que naquele momento o resolvem deixar sair. Como se o mundo não existisse, como ali fossem só elas… elas e o mundo que as maltratou ou que as maltrata, ou talvez contra elas mesmas que se maltratam diariamente mais de uma vez por dia.

No meu humilde entender, há uma grandeza pessoal numa aula de body combat, porque me parece que a própria individualidade se solta através da raiva durante aqueles 60 minutos.

Um outro pensamento que me ocorre enquanto admiro aquele momento é que, talvez as mulheres tenham mais raiva acumulada, os homens não sofrerão desse mal de acumulação emocional, uma vez que aparentemente será normal a exteriorizar porque será tida como socialmente aceite, como “normal”. Para a mulher restará a imposição e sobretudo a autoimposição de tarefas, de trabalho, de sacrifícios. Uma obrigação, quer social, quer pessoal, de perfeição (idade de 50, mas com corpo de 30 e cara de 20), com um sorriso na cara, sempre. Porque se não estiver ouvirá recorrentemente tens de sorrir mais! Vai um sorrisinho?! E outras frases do género.

Mas, ali, nos 60 minutos seguintes, manda tudo à merda, diz a sussurrar a si própria, chega, e deixa-se simplesmente ser, ser aquilo que se é, e ponto final.

Talvez um dia os socos sejam só socos no ar, numa aula de body combat, sem qualquer carga desnecessária, porque, talvez um dia sejamos apenas mulheres iguais a todos os outros seres humanos incluindo os homens, sem qualquer necessidade de se falar de igualdade, porque isto já não será uma questão. Ansiosa pelo soco ser só e apenas um soco e nada mais!