O indivíduo reduzido à sobrevivência e dominado por essa motivação — que logo se transforma em ideia fixa — se sente constantemente ameaçado pela possibilidade de frustração de seus propósitos. Querer sobreviver e querer vencer obstáculos o dilacera. Voltado para o futuro, para os resultados, ele está constantemente desequilibrado. Aparentemente apoiado onde está ou onde pisa, mas sempre mirando o futuro onde vai conseguir satisfazer suas necessidades, desejos e ambições, ele se sente pendurado entre abismos.

É um estado de ansiedade constante caracterizado por não saber o que vai acontecer, e precisar que não aconteça nada que ameace seus planos. É o clássico vencer ou vencer. Sem alternativas, na homogeneização de perspectivas, ele espera sempre rendição dos próprios atos, espera salvação. Essa ideia fixa, pela persistência e continuidade, gera descontinuidades ao criar buracos, abismos, crateras que o submergem.

Para ele, estar submetido aos acontecimentos é uma ameaça. Quanto maior o processo de submissão, mais constante a omissão, ou seja, o medo. O indivíduo assim posicionado deixa de existir como agente, passa a ser cooptado pelas demandas das circunstâncias, e assim é jogado de um lado para o outro, é embalado e embrulhado pelas contingências. Não sabe para onde ir, embora sempre saiba do que fugir. Paradoxalmente, passa a ser guiado pelo que o aguilhoa, o que o persegue, e que, por isso mesmo, começa também a definir sua trajetória. Sequer pode ser comparado a um barco à deriva, pois está agarrado ao que o atormenta, ao que o segura e imobiliza, tanto quanto ao que o tira da inércia. O medo — omissão — o deixa agitado e ao mesmo tempo paralisado diante do outro, do mundo e de si mesmo. Essa constante tensão gerada pelo antagonismo da cooptação (ajuste) e da omissão (medo) cria impossibilidades.

O antagonismo congela, é o pânico. De repente, só existe o medo de morrer, de desaparecer, de não conseguir o pretendido, de não fazer o necessário. Sumir por meio de desmaios, de remédios, de drogas são as gradações solucionadoras que surgem. Tentando se agarrar a alguma coisa ou a alguém, o indivíduo se transforma em parasita e pensa que alguém, alguma coisa tem de ajudá-lo e suportá-lo. Vôos para o infinito (aderindo a crenças religiosas ou políticas, por exemplo) são supostas saídas e tentativas de sobreviver. É assim que emergem os adeptos, os fanáticos e também os mestres e chefes messiânicos. Mudar o mundo, criar nova ordem para sobreviver, geralmente decorre de se sentir estranho e ameaçado pelo existente. Estabelecer cápsulas protetoras e impermeabilizantes é uma maneira de driblar o pânico gerado pela convivência com o outro percebido como discrepante. A diferença ameaça, o além de si é sempre percebido como armadilha, como impasse. A seletividade baseada em discriminações econômicas e sociais exemplifica essa procura por estar com os idênticos a si, com seus pares, como forma de sobreviver.

Buscar segurança e garantia decorre sempre da busca desesperada de superar insegurança e instabilidade, tanto quanto da redução das vivências à superação de barreiras que possam conduzir ao suposto sucesso e aos sonhados paraísos. As drogas, lícitas e ilícitas, nesses casos, funcionam como apoios que permitem e propiciam o mínimo de segurança para sobreviver, isto é, para dar o próximo passo em direção a conseguir e manter apaziguamento, relaxamento, participação e cooperação com o que aliena, amedronta e destrói.

A única maneira de transformar essa situação é deter-se no que ameaça, deter-se no medo, e assim, começar a sair dele. Ao perceber e questionar o medo surgem diálogos, constatações impulsionadoras e também novas trajetórias. Esses novos desenhos, essas novas configurações estabelecem dimensões presentificadas nas quais perguntas são colocadas e respostas obtidas. É o estar no mundo com inúmeras possibilidades e perspectivas, sem medo (pois não há omissão, está-se vivenciando o presente) e sem pressa (pois chegar resulta de caminhar).