Incrível como podemos refletir sobre qualquer coisa em qualquer lugar e a qualquer hora! No último Carnaval, após aqueles momentos de alegria, música, dança, cervejas e brincadeiras, resolvemos buscar um restaurante para comermos. Enquanto o nosso pedido era preparado, engatamos diversas conversas sobre o que estava bom e ruim no bloquinho que saímos e nos atualizamos sobre outros temas da vida, tais como filhos, trabalho e atividades culturais.
Numa dessas conversas, contei que recentemente subimos o Parque da Serra da Cantareira e fomos até a Pedra Grande, onde se tem uma bela vista da floresta e de parte da cidade de São Paulo (notadamente da Zona Norte, Centro e Zona Leste). Imediatamente a Cris, nossa amiga, comentou que ainda não tinha ido, mas sempre olhava para aquele lado da cidade e que algumas vezes o ‘confundia’ com o horizonte.
Ah! O horizonte!
Relato para ela (também soteropolitana) que igualmente tinha estas pequenas ilusões de ótica de enxergar a linha do horizonte em algum ponto da cidade quando cheguei em São Paulo, mesmo que fosse no limiar distante do amontoado de prédios, mas que há tempos havia perdido estes pequenos ‘devaneios’. Para minha surpresa, ela me respondeu que seguia vendo.
Talvez esta sensação até pareça estranha para um paulistano, mas é tão comum para alguém do litoral. Nascemos, crescemos e vivemos nos deparando em algum momento do dia com a óbvia e indiscutível linha do horizonte entre o céu e o mar. O nosso cérebro se condiciona que iremos vê-la sempre e, quando não a vemos fisicamente, ele dá um “jeito” de vermos de forma metafórica.
O horizonte está ali com a sua presença explícita e marcante que embeleza e suaviza o nosso dia e, principalmente nos engradece e nos devolve a humildade através da imposição, ao mesmo tempo, de limite, desafio e segurança. O limite por ser inalcançável, por nos mostrar o quão pequenos somos; o desafio por desejarmos alcançar, desejarmos superá-lo; e a segurança por nos gerar o conforto do limite.
Todos estes sentimentos contraditórios apenas ao observar o horizonte entre o céu e o mar!
Quando chegamos a São Paulo parece que nos tornamos órfãos da beleza e tranquilidade que o prisma infinito do horizonte nos traz, órfãos do limite, do desafio e da segurança. Absortos num mar de avenidas, ruas e ruelas, nos tornamos mais um operário da Grande Sampa. Sem a companhia grandiosa, perene e reconfortante do horizonte nos sentimos quase que perdidos. Talvez busquemos mentalmente pelo horizonte na esperança de mantermos a fé no que ele nos gera de significados. Quiçá seja apenas saudades do litoral!
O limite fixa o término de uma coisa fora do qual não tem existência, mas é também começo de outra coisa diferente; o limite é, portanto, ponto de finitude e de partida.
(Aristóteles)
Volto a refletir sobre a razão do meu subconsciente ter desistido de projetar o horizonte em algum ponto distante de São Paulo. Afinal, por definição horizonte é a “linha circular em que a terra ou o mar parecem unir-se ao céu, e que limita o campo visual de uma pessoa”. Logo, posso vê-la tranquilamente em terra firme, sem a necessidade do mar. Entretanto, meu consciente se nega, mesmo que o meu subconsciente tenha insistentemente tentado.
Ou a razão seria a diminuta área da cidade em que conseguimos ter amplitude de visão? Afinal, a maioria dos lugares que circulamos por São Paulo é ocupada de forma ostensiva, num amontoado de edificações. Para conseguirmos ter uma maior amplidão de visão precisamos estar nos andares mais altos de algum edifício. Reflito sobre outra vertente do horizonte. Ele também pode servir como fuga e conforto. Aquele horizonte inebriante do encontro do céu e o mar muitas vezes nos propicia uma boa fuga da nossa rotina, dos nossos problemas, das nossas angústias, incertezas... e, por conseguinte nos traz o conforto.
Tanto é a insistência em tentarmos vê-lo, que concluo que para um ser humano do litoral ver o horizonte seria quase uma necessidade existencial. Então, me preocupo por não mais ‘vê-lo’! Para me reconfortar, passo a imaginar se o teria substituído por algo em São Paulo.
Chego a uma nova hipótese: devo tê-lo transformado num horizonte metafísico. Não a linha que vemos formada no horizonte, mas sim o que ele representa.
Mas o que seria este horizonte metafísico?
Por ser praticamente um horizonte inalcançável, conjecturo que devo ter projetado as sensações contidas na sua visão na pluralidade cultural da cidade. Vejamos...
São tantas possibilidades e opções por todos os lados da cidade que não conseguimos acompanhar o que está rolando em sua totalidade... tornando-se num grande horizonte inatingível.
Que nos leva ao desafio. Nos sentimos desafiados a descobrir o que está acontecendo e em que poderemos nos inserir dentre as diversas opções de museus, teatros, cinemas, shows etc. Por mais que alcance um limite, outro logo se imporá, semelhantemente a navegar no oceano; descobrir uma nova ilha escondida no horizonte; caminhar até a ponta da praia e descobrir uma nova ponta...
... e que nos entrega a segurança que sempre teremos um limite e um desafio novo a ser explorado. Talvez tudo isto contingentemente nos devolva a beleza, a suavidade, a fuga e o conforto que um horizonte entre o céu e o mar propicia! Vai saber!
E o seu? Qual é o seu horizonte? Físico ou metafísico?