Realmente, o saber tem sabor? Será? Encontramos, no popular, a fonte propulsora dos saberes contemporâneos. Nele, existe a experiência e a prática, ou seja, exala fruição e prazer ao mesmo tempo. Traz a tradição e a inovação na sua manifestação. Revela singularidade e pluralidade nas transformações entre as artimanhas das redes sociais. O popular é híbrido. A “hibridação cultural”, termo cunhado e estudado pelo antropólogo argentino contemporâneo Nestor Garcia Canclini, em seu livro: "Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade'' (2007).

Segundo o autor, “quando estruturas socioculturais diferentes se misturam, pode haver o rompimento das barreiras que separam o que é culto, popular e massivo; e a partir dessa multiculturalidade, estruturas socioculturais que existiam de forma separada, se fundem, gerando uma nova configuração cultural que pode modificar totalmente grupos e espaços” (consultar: A questão do hibridismo cultural na 17ª edição do Festival João Rock, de Beatriz de Souza Cassão, Gabriel Henrique Ferreira, Maria Beatriz R. Prandi).

Vale lembrar que o popular passeia no cotidiano pelos rituais e pelas narrativas. O popular é simples e sofisticado. O saber popular é revelado no cotidiano por ações que vão desde um passinho, uma receita de pão, um banho do cachorro, a limpeza do fogão, o preparo de uma receita caseira para alisar o cabelo, a oração de proteção, as brigas do vizinho, memes de todas as variedades, entre outras atividades que envolvem nossos costumes.

Digamos que entre tanta exposição, o popular dribla o sistema para enaltecer a sua identidade. Para tanto, Roland Barthes diz que "...o popular não tem desejo, só prazer". Mas o popular tem desejo, sim. É que o prazer transcende o desejo. O popular é recheado de narrativas em seu cotidiano. É no popular que as chances são compartilhadas, há uma forte moeda chamada “favor”. Zygmunt Bauman diz que a comunidade é o aconchegante coletivo, sendo assim, o popular é traduzido na comunidade porque revela aconchego, proteção e identificação.

Também é fortalecido pelas fofocas, pela sofrência, pelas dores e pelos festejos. As ruas e as calçadas tornam-se reuniões para tomadas de decisões. Talvez a marca maior do popular seja sua furta-cor em não conseguir esconder o que não lhe pertence. Entre a consciência da realidade e a fragilidade dos sonhos, o popular é revelado. Vale ressaltar que a estampa do popular é a sua criatividade e o poder de recriação, a refuncionalização e a revitalização.

O popular é como uma flecha, vai atingir, vai emergir pelas redes sociais. Como afirma a professora Salett Tauk, "a principal característica dos contextos populares é a contingência, ou seja, o acesso aos bens materiais e imateriais se dá de forma incompleta, desigual e desnivelada. (Tauk Santos, 2001).

Se o popular vem do pobre, traz em sua etiqueta raízes de costumes ancestrais, bem como a gambiarra das inovações tecnológicas. É quando escutamos áudios no whatsapp sobre como consertar um carro quebrado, receitas para curar doenças, como também memes que enaltecem o cotidiano e a dinâmica das culturas populares.

Mas, afinal, o que é popular? Para Nestor Garcia Canclini, em seu livro Culturas Populares no Capitalismo, ele afirma que "as culturas populares estão interessadas em projetos de curto prazo, são resistentes ao novo e estão ligadas pelas necessidades imediatas". São destemidas e determinadas. Embora o popular não seja de fácil assimilação, devemos apresentar que o popular está relacionado ao coletivo. Caiu no gosto de todos, torna-se popular. Para entendermos melhor, a forma de acesso aos bens materiais e imateriais sinalizam o universo do popular. A maneira como você se diverte, ou seja, a pelada aos finais de semana, a cerveja na sexta-feira, são rituais do popular.

Para tanto, houve uma aceleração no comportamento, devido ao ritmo da comunicação com o aparecimento da internet. Logo, hoje o passinho, as músicas sertanejas se tornaram populares. A fenomenologia do popular está no jogo de cintura para conduzir a reatualização dos saberes. O popular também é carregado de pensamentos ideológicos. Roland Barthes afirma que o texto serve para apresentar as origens. Pois bem, é no texto que os estudiosos apresentam o popular. Como algo que transita entre o visível e o invisível, ou seja, entre quem viu, quem fez e faz, o popular atua em conflito com o tempo e o sistema. Digamos que o popular vem criando a nova classe média brasileira porque o popular registra em seu anverso o risco ideológico. A aura do popular é jaspeada pelo imaginário ancestral. Para tanto, o popular é autenticado pelo universo midiático que enfatiza a sua "fictícia" identidade. E, toda essa melodia da fruição, do gozo, do barato, do brega, revela o sabor do saber cotidiano.