Na fotografia, no cinema, nas artes visuais superposição é a impressão simultânea, em um mesmo pedaço de filme, de duas imagens fotografadas separadamente, ou seja, é o efeito que resulta da sobreimpressão. É sempre um acréscimo, um estar no lugar do outro ou em cima de, ou ainda, junto com. Na engenharia elétrica, na física, na química o princípio da superposição é útil e se refere aos fenômenos nos quais, em sistemas lineares, se observa que a resposta aos estímulos superpostos é igual à somatória das respostas individuais dos mesmos, ou seja, acontece justaposição sem interferência nas respostas individuais. Isso é muito útil na montagem de circuitos elétricos por exemplo. Nas engenharias e nas artes - fotografias, pinturas, vídeos - e até mesmo nas falas, na comunicação, esse fenômeno ocorre ainda permitindo identificação dos postos e superpostos.

No universo psicológico as coisas se complicam pois as superposições envolvem além de espaço, tempos diferentes. Lembrar de algo é inseri-lo nas novas vivências, ou também, é transportar o vivenciado a fim de conseguir, com propósitos e motivações, criar novos aspectos, novas configurações, tanto quanto desconfigurar certezas ou evidências. Esse mecanismo de superposição permite realizar o impossível. Se consegue, por exemplo, criatividade, substituições salvadoras e também abrir portas cujas chaves estavam perdidas. Superpor, restaurar é aproveitar existentes e reengendra-los, rearranja-los em outras molduras, outros sistemas, outros contextos. As substituições sempre possibilitam reencontros quando novos aspectos, antes não configurados, são enfocados. A continuidade desse processo neutraliza originais. De tanto superpor já não se encontra o original, embora se adquiram padrões que muito expressam e esclarecem. A moda, a maquilagem são exemplos que estabelecem conceitos e critérios, distinguem assim como uniformizam.

Tudo que se sabe, tudo que se vivencia, tudo que se aprendeu sobre diversas situações produz aglomerados. A mesa da ceia de natal da infância, a mesa vista na televisão, aquela indicada pelas redes sociais, a escolhida, tudo isso é um conjunto aleatório de totalidades pregnantes e dissociadas. Fragmentadas de seus contextos, épocas e cultura, significam a partir de indiferenciações superpostas. Nas artes, nos espetáculos, nos diversos empreendimentos cênicos, esse quebra-cabeça é até agradável pois permite que se veja um bom gráfico da Bauhaus usado ao lado de peças do construtivismo russo, margeados pelos cactos do Nordeste brasileiro. Pode ser tendência, pode ser referência e fazer pensar, e às vezes construir beleza e criatividade, entretanto, quando isso se dá nas vivências individuais, essa superposição pode ser não apenas criativa, mas danosa. Ao misturar vivência e desejo, dificuldade e fantasia, começam a ser criados padrões imaginados, construídos por desejos e existindo para gerar impressão e aspectos voltados à realização dos mesmos. As necessidades pulam, os objetivos são os tentáculos que tudo vão agarrar. Chavões, clichês são os referenciais que vão concentrar as aparências que se deseja superpor. O bom moço, a boa moça, o que ajuda e tudo resolve são superpostos às ganâncias, oportunismos e medos. O escamoteamento da realidade é doloso. É construir pontes tampando abismos sem segurança, sem apoio, mas, que permitem caminhar.

Quanto menor o contexto - espaço tempo - quanto menores as possibilidades de questionamento, maior o conformismo, a adequação, a adaptação. Acontece que dinâmica e transformações existem, e quando não são consideradas, quando se tenta amortecê-las, as superposições começam a acontecer. Tudo fica travado, congestionado, seja pelo medo de quebrar a ordem que sustenta, seja pelo acúmulo de variáveis e situações que não podem ser consideradas, que têm que ser deixadas de lado, têm que ser ocultadas, escondidas. O comprometimento começa. O dia a dia fica espremido entre o que se faz e o que se tem necessidade de fazer, o que se quer que aconteça. O ser se esfacela. Essa fragmentação vai se constituir nos pequenos pedaços que escondem, que superpõem buracos, amenizam ruídos e ainda permitem reencontrar o que não se gostaria de ter perdido.

A superposição de vivências, de motivações e encontros é a desistência, a renúncia alienadora, ou o projetar-se para o futuro na esperança de tudo reencontrar, superpor, esconder e ultrapassar.