Existe um lugar onde não há escassez de espontaneidade, onde as fitas de cetim coloridas bailam ao vento para revelar a rica desordem do imaginário popular. É um lugar de muitos risos, de festas, de orações, de cheganças, de loas e cantigas, feitas pela sintonia com o sagrado que habitam nas manifestações populares. É conhecido como lugar de fluxo, dinâmico, autêntico, subversivo, livre e identificado nas vivências de uma vida viva. Na ponte entre o céu e a terra, este lugar finca o olhar compenetrado do caboclo de lança, no entrelaçar de andamento rápido e frenético do passo do frevo, na estranheza solitária de um ex-voto, nas mãos calejadas dos romeiros que segura o terço, na pisada forte da dança do coco, na quentura das mãos dadas da harmoniosa ciranda, nas flores coloridas dos diademas da mestra e contramestra do pastoril e no cordel pendurado na loja de artesanato da cidade de Olinda em Pernambuco.

Talvez este lugar esteja na inconstância da diversidade existente no folclore que é a alma do povo, onde reina o desembaraço, a simplicidade, a naturalidade e a originalidade.

Quando conheci o professor Roberto Benjamin ele já era um estudioso dos detalhes das profundezas do Brasil real. De sensibilidade aguçada, um observador de sonhos, trazia em suas pesquisas a tradição, a comunicação, o poder e a reinvenção da cultura popular. Tinha um cuidado em observar movimentos, gestos, palavras, e verbos dos mestres, brincantes e artistas para afinar com a história, o passado, o presente e o futuro. Nascido no Recife, Pernambuco, em 1943 no dia 31 de julho, o professor Roberto Benjamin uniu Jornalismo e Direito para compreender a singeleza do povo. Amante de um cafezinho quente, tinha cautela em relatar as vivências e ancestralidade dos povos e suas contradições entre o imaginário e a ideologia. Um pesquisador debruçado na insensatez do poder com sofrimento do povo revelado pela Folkcomunicação (intercâmbio das mensagens da mídia que o povo faz e usa em seu dia a dia) nas vivências do artesanato, danças, cordéis, folguedos entre outras manifestações da cultura popular.

Certa vez, no encontro de Folclore na cidade de Laranjeiras, em Sergipe, o professor Roberto, que ensinava na Universidade Federal Rural de Pernambuco, argumentou que na camisa dos integrantes do Reisado (festa de origem ibérica em comemoração ao nascimento do menino Jesus) estava escrito Ilariê. Era a influência da música da Xuxa no Reisado? Ele sinalizava com prudência toda forma inventiva do povo e o seu diálogo com o consumo e o poder público e privado.

Nessa época o professor Roberto Benjamin também era Presidente da Comissão Pernambucana de Folclore. Comissão existente em todo Brasil para analisar o movimento pela campanha em defesa da cultura popular. O renomado pesquisador criou laços com a cultura pernambucana a partir da construção das histórias e do cotidiano dos mestres.

Em sua grandeza como cientista da comunicação, procurou interpretar o improviso no fato folclórico pela simplicidade da vida do povo. Foi precursor em discutir a hibridização do popular na cultura de massas. Sua preocupação era registrar as notações da memória e do imaginário nas manifestações do povo. Debruçado pelo ex-voto (objetos doados às divindades como forma de agradecimento e desejo), fez coleções. Cada objeto com sua história em seu universo da dor particular. Seu acervo constitui de uma rica biblioteca com desdobramento ao mundo maravilhoso do refinamento do ser humano. Pense num lugar mágico, ficava num prédio ao lado do cinema São Luiz no Recife. Nossas aulas muitas vezes foram realizadas no fabuloso mundo do Professor Roberto Benjamin. Lembro bem que uma colega me perguntou baixinho sobre crenças, que não poderia comer abacaxi quando estava menstruada. Será? Como unir crença com ciência? O professor Roberto deixava a gente sempre questionando sobre o caleidoscópio das vivências do povo.

Abordava a religiosidade nas benzedeiras e nas orações. Os ferros de marcar bois também cairam na graça do Professor que a partir da parceria com a professora Elisabet Moreira construiu uma excelente e curiosa pesquisa!

O carnaval, momento onde o mundo vira do avesso, fez rebuliço nos estudos e análises do professor Roberto. Não existe lugar mais democrático e espontâneo do que o carnaval. Os cortejos no carnaval foram para o estudioso um laboratório entre a exuberância dos “três dias sem lei” e o seu ritual, o consumo e ainda questões de programas de políticas culturais.

No maracatu rural (manifestação folclórica surgida na era colonial de origem híbrida, onde os cortadores de cana, os chamados caboclos de lança, se vestem com uma gola bordada de lantejoula e surrão) o professor encontrou segredos para relatar as nuances na pele de um trabalhador que respira a dor da vida pela simbologia marcada ao toque do surrão.

Nessa busca, foi com o livro Danças e Folguedos de Pernambuco que o professor Roberto conquistou o meu coração. Fiz dele a base para compreender as festas, os cortejos, a capoeira, o caboclinho, o cavalo marinho, o bumba meu boi, a quadrilha, o forró, mamulengo, fandango, samba de velho, festa junina, ciclos folclóricos, o maracatu de baque solto e o maracatu rural, o carnaval entre tantas riquezas da cultura.

E ainda se não bastasse tudo isso, foi no continente africano que ele aportou para compreender nosso pertencimento no vasto mundo da culinária, batuque, ginga, samba, oferendas, artes, balangandãs, orixás e festas evidenciada no livro - África está em nós, minuciosamente editado pelo pesquisador José Fernando de Souza e Silva.

A aguçada saliência para o envolvimento no cotidiano da cultura popular não foi por acaso. Foi um exímio colecionador de orquídeas o que contribuiu em aumentar sua sensibilidade no traquejo com a arte, literatura e educação.

Assim, o professor Roberto Benjamin sem vaidade revelou que no folclore não há a escassez de espontaneidade. E como a vida não tem ensaio, é no improviso que as manifestações da cultura popular se reinventam, se transformam e se reatualizam! Viva o professor Roberto Benjamin!