O novo ser humano encontrará sua religião na Natureza, não em estátuas mortas, e sim em Árvores vivas que dançam ao vento. Encontrará sua oração com as Estrelas. Vai dialogar com a existência tal como ela é. Não viverá com ideias abstratas. Viverá com realidades. Seu compromisso será com a Natureza. Ele vai tentar decifrar os mistérios da vida e não tentar desmistificar a vida. Tentará amar esses mistérios, e penetrar nesses mistérios. Vai ser um poeta, não um filósofo. Vai ser um artista, não um teólogo. Sua ciência será para compreender a Natureza, não para conquistá-la e persuadi-la para que revele seus segredos. O novo ser humano não romperá os ciclos naturais, os respeitará tornando- se um com a Terra, o ar, a água e o fogo. Esse novo ser humano será Amor, porque terá entendido que somos uma unidade que se dispersa na terra apenas para amar e para prosperar.

(Osho)

O advento do segundo milênio deveria trazer consigo todas as benesses da Era de Aquarius, entre elas um ser humano mais adaptado e consciente do seu papel junto ao próximo e ao meio ambiente. Um ser humano mais amoroso, mais solidário e empático para com todas as formas de vida.

Presumia-se que a ‘Era das Trevas’ (Kali Yuga) já seria então página virada na história da humanidade, cedendo seu lugar para a ‘Idade de Ouro’ (Satya Yuga). Infelizmente não é o que estamos vendo no Brasil. Em pleno recrudescimento da pandemia, o caos se instalou no estado do Amazonas devido à falta de oxigênio (o cenário é de guerra, pois as tumbas dos mortos por covid enchem os campos e cilindros de oxigênio são retidos para fins de especulação - pasmem!!!!); os casos de feminicídio se multiplicam e continuam acontecendo com a mesma crueza que d’antes, inclusive entre figuras do alto escalão hierárquico da sociedade brasileira na véspera do Natal; a violência e exploração animal parecem fazer parte da cultura e o que não dizer da destruição do meio ambiente por meio de incêndios criminosos e o desmatamento movidos por extremo egoísmo e pela ganância. O ser humano parece não querer “enxergar” além do seu próprio umbigo e não consegue se compadecer com a dor do outro. Ele segue afirmando o seu egocentrismo: para si só existe o “Eu”; não existe o “Outro”.

Assim como na época da colonização das Américas - os colonizadores entendiam que a terra e todos os seres vivos que a habitavam estavam ali para serem subjugados, explorados, estuprados (no amplo sentido do termo) e vilipendiados - ainda hoje esta herança maldita parece estar presente em nosso psiquismo/inconsciente coletivo, pois sempre que há uma situação favorável, o ser humano não se omite em cometer atrocidades.

Um belo exercício de alteridade e inversão de papéis ajudaria bastante neste caso. Tentar se colocar no lugar do outro. Sentir o que o outro sente. Muitos não conseguem fazer isso, embora haja outras tantas pessoas que estão aí alavancando e ajudando a humanidade a crescer.

Em Psicodrama aprendemos que a criança em seu desenvolvimento, quando descobre a existência do “terceiro” que no caso seria o pai, começa então a se dar conta da existência do outro e isto muda totalmente a configuração das coisas, pois percebe que as fronteiras do mundo e das relações são muito maiores do que a estreita interação existente entre ela e a mãe. Além disso, a Teoria Psicanalítica também vem trazer luz ao nosso entendimento ao assinalar que quando a criança começa a funcionar no Princípio da Realidade (ela não pode ter tudo o que quer, à hora que quer) é obrigada a lidar com o fato de que nem sempre seus anseios e/ou caprichos serão atendidos. Ela terá que adiar a satisfação de suas necessidades ou até mesmo perceber que não pode ter o objeto desejado e, ainda assim, ser capaz de “sobreviver” sem ele. O crescimento passa por saber lidar com a frustração e emergir inteiro e mais forte da experiência. Entendemos que pessoas que causam dano a outros seres vivos e ao meio ambiente tiveram uma falha no seu desenvolvimento e não passaram na prova de alteridade e domínio da frustração.

Entre tantos exemplos, infelizmente, é um fato bastante comum homens assassinarem suas mulheres quando estas manifestam o desejo de romper o vínculo e estão em algum ponto do processo de separação ou já se separaram. Além do tão famigerado e arcaico machismo - “Ela é minha e não será de mais ninguém!”, uma hipótese muito importante a se considerar seria a dificuldade de lidar com a frustração de terem sido rejeitados e terem deixado de ser o objeto de afeto da parceira (o centro de seu mundo). Isto nos remete a uma injúria narcísica1 — um ego em estado de hiperinflação, que na verdade oculta profundos sentimentos de inferioridade. Tais aspectos denotam em última instância uma fragilidade emocional, o que faz lembrar uma criança que berra e esperneia e que pode até matar só por maldade o bicho de estimação da família para se vingar por não ter tido o que queria.

Isto me faz pensar que estamos de passagem nesse planeta para lapidar nosso espírito e que somos todos seres imperfeitos e inacabados, cada qual no seu nível de evolução e que talvez tenhamos idealizado muito a famosa “Era de Aquarius”. Em 2021 o que temos para lidar é um contexto heterogêneo composto por realidades díspares (enquanto uns atacam e destroem o meio ambiente, outros o protegem), conscientes de que algumas destas realidades chocam aos nossos olhos.

Todos deveríamos estar conscientes de que a Natureza é o nosso grande manancial, nosso reservatório de energias e propulsão da vida. Sem ela não há como se produzir alimentos, sem ela o ar que respiramos se tornaria letal, sem ela perderíamos nossa casa, nosso abrigo, nossa proteção. A Natureza é sagrada, assim como os seres que fazem parte dela.

Talvez o nosso maior desafio seja tentar compreender a natureza humana em suas idiossincrasias, ambiguidades e contradições. Tentar conviver com o outro diferente no ponto em que ele se encontra. Isto é “viver de realidades”, como diz Osho. Em essência, o amor por uma árvore que gentilmente nos cede seus frutos, sua sombra, é o mesmo que por um ser de quatro patas ou de duas... A energia da qual é feita o amor é indistinta para todas as formas de vida.

Todos precisamos entender que a vida é preciosa nos seus múltiplos formatos e cores e que nós seres humanos não somos donos de nada. O Criador nos emprestou gentilmente sua casa para que pudesse servir de trampolim ao nosso desenvolvimento.

Ressaltando mais uma vez as sábias palavras de Osho:

O compromisso do novo ser humano será com a Natureza... ele não romperá os ciclos naturais, os respeitará tornando-se Um com a Terra, o ar, a água e o fogo... o novo ser humano será Amor...

Que tenhamos como meta e como objetivo a ser atingido, os princípios acima. Paradoxalmente, precisamos exercitar aquilo que somos e a que viemos: ser “humanos” no sentido literal da palavra. Sair daqui diferentes do que aqui chegamos.

Lembrando que, se a pandemia se encontra nos níveis em que está (só no Brasil já ultrapassamos a marca dos 210 mil mortos, sendo que a vacina não significa que podemos baixar a guarda até o final deste ano), isto funciona como um sinal de alerta. Significa que não aprendemos ainda tudo que era necessário aprender. Infelizmente a humanidade ainda precisará de muitos flagelos para se colocar no caminho da cura espiritual.

Mas se conseguirmos dar alguns passos mais, o esforço de muitos já terá valido a pena.

Nota

1 A expressão “injúria narcísica” foi cunhada por Freud e consiste em um golpe ao amor próprio da pessoa, de forma que esta se sinta rebaixada ou humilhada.