Hélas, La Palice est mort,
Est mort devant Pavie.
Hélas, s'il n'était pas mort,
Il serai [ferait] encore en vie [envie].

("La Mort de la Palice/Palisse")

Il est mort le vendredi,
passée la fleur de son âge,
s'il fut mort le samedi,
il eût vécu davantage.

(Bernard de La Monnoye, séc. XVIII)

A canção com que os soldados queriam homenagear Jacques II de Chabannes, senhor de La Palice/Palisse (1470-1525), marechal de Francisco I, tornou-se, pela deturpação na escuta, uma ‘lapalissada’… quiçá, obra-prima do cânone da estupidez que se colou ao herói como insinuação de chacota. Mas a pérola não está isolada nem deixa a humanidade indiferente…

Com a estupidez na linha no horizonte…

De Baltasar Gracián (“Algunos obran y luego piensan, otros, ni antes ni después / Son tontos todos lo que lo parecen y la metad de los que no parecen.”, Oráculo manual y arte de prudencia, 1647) a Albert Einstein (“Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, relativamente ao universo, ainda não tenho a certeza absoluta.”), chegando a Umberto Eco (“A mim interessa-me e fascina-me a estupidez humana. É por isso que 'O Pêndulo de Foucault' contou uma história de estupidez. Fascina-me todo o mundo destes crentes no oculto. Fascina-me a estupidez, sabendo que é estupidez.”), que a estampou em título (De la estupidez a la locura: Crónicas para el futuro que nos espera/ Como vivir en un mundo sin rumbo, 2016), passando por Anton LaVey (“É uma pena que a estupidez não seja dolorosa.”), Albert Camus ou George Carlin (“Pensa quão estúpida a pessoa média é e repara que metade das pessoas ainda são mais estúpidas.”)… a lista é vertiginosa! O que só demonstra o interesse e a actualidade do tema.

Em breve travelling…

Na Antiguidade, a estupidez mereceu o alerta de Salomão (966 a 926 a.C.):

“Até quando, ó estúpidos, amareis a estupidez? E até quando se deleitarão no escárnio os escarnecedores, e odiarão os insensatos o conhecimento?”

E a Idade Média omitiu-a nos 7 pecados capitais, numa opção contrariada por Hans Conrad Zander (La estupidez es pecado. Cien preguntas a santo Tomás de Aquino, 2011) e, antes, mais radicalmente, por Oscar Wilde, que considerava “não h[aver] nenhum pecado, exceto a estupidez". Johann Paul Richter elogiou-a (Elogio da Estupidez, 1899). N’A Enciclopédia da Estupidez (1999), Matthijs van Boxsel elege-a a "fundamento de nossa civilização", acrescentando que ninguém é suficientemente inteligente para compreender quão estúpido é. Pragmático, Diego Armario reflectiu sobre Os Cretinos Com Poder. Como lidar com a estupidez dos que mandam (2010), “não recomendável a leitores que apreciem o politicamente correcto”.

Robert Musil (Da Estupidez,1937) e José António Marina (La Inteligencia Fracasada: teoria y práctica de la estupidez, 2004) dedicaram-lhe atenção, Craig Brown estudou a versão masculina desde Adão (O Grande Livrinho da Estupidez Masculina, 2002), Carl Alasko observou a sua dimensão emocional (Estupidez Emocional, 2011), Oliviero Ponte di Pino sondou-lhe os mistérios (Quem Não Lê este Livro é um Imbecil. Os Mistérios da Estupidez, 2002), José Luis Trueba Lara denunciou La Tiranía De La Estupidez (2012), Gabriel Sala dedicou-lhe um panfleto (Panfleto Contra La Estupidez Contemporánea, 2007), Juan de Aguilar uma comédia (Estupidez Y Ambición, Vivir sobre el país: comedia en dos actos original y en verso, 2012) e Juan José Bargues Roca um lamento (Es Una Lastima Que La Estupidez No sea Dolorosa, 2015). Pablo Villa coloca-se Frente A La Penetrante Estupidez De Los Anuncios (2013) e muitos depõem sobre La Estupidez De Las Organizaciones (2014).

Não fica o corpus bibliográfico pelas referências anteriores. Mats Alvesson e André Spicer centraram a atenção em The Stupidity Paradox: The Power and Pitfalls of Functional Stupidity at Work (2016), enquanto Sia Mohajer perscrutou em The Little Book of Stupidity: How We Lie to Ourselves and Don't Believe Others (2015). Clyde Carswell procurou-a na existência (The Stupidity Spiral: A Notebook About Life, 2018), David Graeber denunciou The Utopia of Rules: On Technology, Stupidity, and the Secret Joys of Bureaucracy (2015) e John Stossel os Myths, Lies, And Downright Stupidity: Get Out the Shovel - Why Everything You Know is Wrong (2007). Mergulhando na História, Erik Durschmied observou How Chance and Stupidity Have Changed History: The Hinge Factor (2000) e Charles P. Pierce fez um estudo de caso, o Idiot America: How Stupidity Became a Virtue in the Land of the Free (2009), assinalando as 3 grandes premissas do mesmo (“Any theory is valid if it sells books, soaks up ratings, or otherwise moves units”, “Anything can be true if someone says it loudly enough” e “Fact is that which enough people believe. Truth is determined how fervently they believe it”), tendo Joel Best analisado o seu efeito epidémico (The Stupidity Epidemic: Worrying About Students, Schools, and America’s Future (Framing 21st Century Social Issues), 2010)… etc., etc..

No “Prólogo” ao Elogio da Estupidez (1899) de Jean Paul (Johann Paul Richter), Juan de Sola Llovet afirma:

«Borges sostenía que el primer síntoma de la inteligencia es precisamente la estupidez, y es probable que no anduviera falto de razón. Si pensamos en la historia de nuestra especie, sería relativamente fácil llegar a un acuerdo y consensuar que el nacimiento —si así puede decirse— de la estupidez va íntimamente ligado al de las ideas de sociedad y cultura, incluso a la de progreso. Cuesta concebir un homo antecessor o un homo neardenthalensis estúpidos, pero no en cambio un grupo de idiotas en la Atenas de Pericles, el Madrid de los Austrias o el Londres Victoriano, por no hablar del ejército de estultos que asoló el continente a mediados del siglo XIX,y que tan bien retrataron los novelistas de la época. La estupidez no es tanto un don natural (o la ausencia de ese otro don) como, probablemente, el mal uso de otros dones no necesariamente naturales. Al margen, como se verá, quedarían la insania y otras afecciones del alma.

Suele decirse que el primer aviso de la estupidez lo encuentra la cultura occidental en el Eclesiastés (1:15), que nos recuerda, en la Vulgata, que "perversi difficile corriguntur et stultorum infinitus est numerus" (‘los malvados difícilmente se corrigen, y es infinito el número de los necios’), pero quiso el azar, o la estupidez transfigurada en error, que San Jerónimo cometiera un desliz en la traducción y no tradujera lo que, en la nueva versión oficial de la Iglesia católica, la Nova Vulgata, revisada tras el Concilio Vaticano II, reza: "Quod est curvum, rectum fieri non potest; et, quod deficiens est, numerari non potest" (es decir, ‘lo torcido no se puedeenderezar, y lo falto no se puede contar’, en español, desde la Biblia del Oso). No hay tópico, por autorizado que parezca, que no termine volviéndose en nuestra contra»..

E, no “Proémio” do Elogio, eis que a Estupidez assume a boca de cena, distinguindo-se de erasmiana loucura:

«Yo, la estupidez, adopto ora esta, ora aquella forma respetable para mostrarme antelos hombres con mis mejores galas, pero en todas las épocas soy solo del agrado de quienes me ven bajo su mismo aspecto, porque cada cual aprecia solamente la estupidez que más se parece a la suya».

Enfim, Stephen Hawking, na inauguração do Centro Leverhulme para o Futuro da Inteligência (CFI), declarou que a inteligência artificial será "ou melhor ou a pior coisa que já aconteceu com a humanidade", concluindo a propósito do assunto:

"Nós passamos muito tempo estudando a nossa história, que é, precisamos admitir, a história da estupidez. É uma mudança bem-vinda que agora estejamos a estudar o futuro da inteligência".

É, pois, tema grave e ponderoso… bem mais do que o rancho (“Ponderosa”) dos Bonanza…