Em 1920 publica-se em Lisboa a Clepsidra, nas edições Lusitânea, de que era proprietária Ana de Castro Osório. E logo no primeiro grande artigo que da obra foi publicado na imprensa da capital, o seu autor, António Ferro, modernista, ligado ao grupo de Orpheu, dizia entusiasticamente que “…na sua arte não há palavras, há ideais…”. A epígrafe da Clepsidra é, afinal, o epitáfio da sua vida neste mundo, entre a saudade de um país perdido ( que é a Saudade de Futuro de Teixeira de Pascoaes) e o contraponto de uma pulsão de morte que acaba por se tornar integração no renascimento da Natureza: “Eu vi a luz em um país perdido”.

Nesta luz hostilina, neste símbolo, se confundem um particular e um universal, um existencial e um essencial; um ôntico e um ontológico. Toda a poesia de Camilo Pessanha é comunhão de vida, mas toda ela se apresenta como uma metavida.

Camilo Pessanha bebeu da índole chinesa o subentendido, a sugestão que está na índole da estética chinesa e coerente nas suas formas de expressão; o deixar à cogitação alheia o preenchimento de uma ideia que tanto tem que ver, neste caso, com um sentimento tão camoniano quanto platónico, quanto Pessanha e tão português: a saudade.

Clepsidra é um relógio de água, associado a “Imagens que passais pela retina…”, à memória, ao pensamento espaço- tempo que flui, que não pára, pois certamente a água será símbolo do que não se pode parar; ela será sempre contínua coma Natureza, como o passar da existência humana. Mas Pessanha prefere ser o espectador dessa paisagem; impermeável a essa água, a essa passagem desse grande escultor, que é o Tempo, segundo M. Yourcenar e como se vê modelado in “Estátua”, de Pessanha.

No entanto, é ao mar que Camilo Pessanha liga as suas reminiscências de um mundo perdido, e isto o faz com profunda nostalgia, tudo em grandes imagens emblemáticas, que possuem uma dimensão iconográfico-épica (como por exemplo em “ San Gabiel”; “ Vénus”; “ Roteiro de vida”). A liberdade é tomar consciência desta pertença ao todo, viver com este todo. Pessanha é a própria água, é por sinédoque, a própria Clepsidra: água, renascimento, mas também resíduo que fica eterno dessa passagem da água- o sujeito lírico-épico da mesma Clepsidra, paradigma da condição humana.

Camilo Pessanha escolheu caminhar sobre os símbolos no mar da poesia e construir pontes entre oceanos de luz; escolhe sair do tempo-água clepsídrico, ilusório, para a uma união com a eternidade ( vide “ Depois das Bodas de ouro”). O que importa ao poeta é a conquista espiritual.

Pessanha é um ponto de encontro, um guardador de tatuagens ( vide soneto “Tatuagens”) , das que trazemos de nascença e das que a vida vai gravando em nosso peito, e quem sabe, também na alma, a cores, sempre com o pincel na mão das palavras.

No colorido poético de Camilo Pessanha, as imagens visuais despertadas pelas cores são carregadas de analogias e intuições. A partir da sua condição humana, Camilo Pessanha exprime uma poética que adentra pelo íntimo mais recôndito do poeta e se faz universal, lírico-épico, por propiciar que nos reconheçamos em seus versos, reflectidos no espelho do tempo-água clepsídrico.

O poeta-filósofo compreendeu que a existência humana é ela própria uma iniciação e que compreendendo o símbolo, ele consegue viver o universal épico- trans- viver para além do tempo.

Clepsidra é o seu selo simbólico no envelope da nossa História.

Neste ano, em que se comemoram 150 anos do nascimento do poeta, estão previstos em Portugal e Macau:

  1. Um número Especial sobre o poeta na Revista de Cultura (RC) do Instituto Cultural de Macau.

  2. Sessão comemorativa dos 150 anos do nascimento de Camilo Pessanha, que vai ter lugar no dia 19 de Outubro de 2017, na Sociedade de Geografia de Lisboa, comissariada pela Drª Celina Veiga De Oliveira.

  3. Sessão comemorativa dos 150 anos do nascimentos de Camilo Pessanha, no Porto, no Palacete Villar D`Allen, dia 9 de Novembro, comissariada pela Professora Maria Antónia Jardim e pelo Professor Armando Coelho, com o apoio do CLEPUL; Direcção Regional de Cultura do Norte; Fundação Casa de Macau, Jornal Artes entre as Letras e Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes.

  4. Apresentação do livro Camilo Pessanha: O Pincel na mão símbolos, de Maria Antónia Jardim. Ed. Inquietude; Lisboa.

  5. Apresentação da Medalha de Camilo Pessanha: Claves de Lua e Sol, By A. Sinai e Topázio.

Celebremos Camilo Pessanha com toda a alma e coração!