Rastro e pulsão apresenta pinturas que nascem do encontro de forças que movem o fazer — amor, desejo, luto e vazios — e os vestígios que permanecem depois que a experiência atravessa o corpo. “Pulsão” é o princípio, a necessidade sem nome que impele o gesto; “rastro” é a inscrição dessa energia no mundo, quando a tinta fixa, como sismógrafo, intensidades que oscilam entre o dizível e o indizível. Ao converter vivências em imagens instáveis, situadas no limite entre abstração e figuração, a artista transforma a tela em campo de reflexão sobre impermanência e inconsciente.
A exposição se ancora no período recente em que Julia passou na residência artística em Lisboa (Luz_Air, 2025), quando cor, luz e grafismos de azulejos históricos, somados a relações pessoais e aprendizados daquele período, reorientaram a paleta, o ritmo e a lógica compositiva de sua pesquisa. O retorno trouxe memórias que, aos poucos, deixaram de ser saturadas para rarear em superfícies porosas, onde a vibração se dá por interrupções, repetições e áreas de respiro.
Entre as obras, Dancing ghosts parte da lembrança de amantes que dançam sem música, conduzidos por um compasso intuitivo; a série Ecos tensiona simetrias e cortes como quem testa o que sobrevive da experiência quando a memória se esvazia; e Protagonistas e Coexist condensam a amplitude do gesto em pinturas de grande escala. Em todas, a artista trabalha a partir do chão, em escala diretamente relacionada ao corpo, permitindo que o pincel opere como extensão do corpo: linhas cegas, ambidestras e sismográficas que registram a passagem do que pulsa por dentro.
Se tem rastro, é porque algo pulsou. Entre delicadeza e vigor, erotismo e agonia, suspensão e dinamismo, as pinturas devolvem ao espectador superfícies-espelho, capazes de fazer emergir imagens e afetos latentes, não como ilustração do vivido, mas como transfiguração contínua da experiência no presente da pintura.