Hodiernamente, a contemplação assumiu novos contornos, outras cores e formas impensáveis.

Numa Era em que cada vez mais falamos da mente e das suas necessidades, Salvatore Garau, certamente tirou de si uma ideia, não a desenhou, não pintou e muito menos, escreveu.

15 mil dólares, é o preço de um espaço delimitado por “nada”.

Inspirado pelo Princípio da Incerteza de Heizenberg, um físico que recebeu o Prémio Nobel da física em 1932, Garau imaginou e vendeu.

A arte conquistou sentidos inéditos e, por consequência, novas obrigações; embora que, por “obrigações” soe, nos tempos que correm, como uma heresia estética.

O rigor tornou-se um anacronismo afável, desses que apenas servem para enfeitar retrospetivas de mestres há muito sepultados.

Sepulturas estas, que se remexem discretamente perante as mudanças abruptas e inexplicáveis do nosso tempo.

A técnica, outrora trono e altar, é hoje uma raridade museológica, observada com a mesma curiosidade antropológica com que olhamos um objeto medieval.

A precisão da mão, o treino meticuloso e a exatidão, outrora atributos que se confundiam com a própria definição de artista; foram renegados a favor da piedosa intenção.

A mensagem, essa sim, ascendeu ao Olimpo da prioridade. E hoje, arte é outra conversa que ainda não estamos bem preparados.

Como tal, pode não haver forma, pode não haver matéria, mas se houver um “discurso” (palavra tão elástica que já serve para tudo e inclusive para nada), então existe uma verdadeira obra de arte!

E, ironicamente, quanto mais invisível for essa mensagem, mais se supõe que seja profunda.

Não estaríamos aqui nós a falar de uma tal escultura invisível, apelidada de Eu Sou.

Se não se vê, é porque se sente; se não se sente, é porque não se está preparado; dizem os contemporâneos, com o ar grave de quem revela um segredo cósmico.

A observação e a experiência converteram-se em ferramentas de ouro.

O artista contemporâneo surge com uma maturidade distinta: um adulto com a ousadia de pintar o ar… e vendê-lo em prestações.

E nós, evidentemente, compramos.

Não porque precisemos!

Mas porque é imperativo mostrar que compreendemos, que estamos alinhados com a narrativa e que, imperativamente, subscrevemos a mensagem.

Não me interpretem mal, venero a arte contemporânea.

Mas há momentos oportunos, e outros inoportunos.

Há momentos em que tudo é demais.

Nem tudo pode ser arte, nem tudo pode carregar uma mensagem, e mesmo que carregue, nem tudo pode ser contemplado com a mesma solenidade.

A arte contemporânea é, sem sombra de dúvida, inexequível na sua própria lógica, ora uma arte sem igual... Controversa, meditativa, mas afinada para o espanto performativo.

Não se limita a ser vista; exige performance, catálogo, desorganização e organização, mensagem, explicação e argumentos.

É digna de assinatura, necessita de uma.

Ora Eu Sou, uma escultura invisível de ar, cuja materialidade se resume à assinatura do artista no comprovativo de venda.

Única prova da obra.

Talvez esta seja a sua maior façanha do artista, transformar a contradição em valor de mercado. Vendida por milhares, pesa tanto quanto o vento.

Não ocupa espaço, não tem forma, não pode ser tocada ou apreciada; é impossível olhá-la! Habita apenas na nossa mente, moldada à medida da imaginação de cada um.

Impossível de comparar, mas pensemos na dificuldade de muitos acreditarem em Deus, que apenas conhecemos pela liturgia ou pela iconografia.

Depende da Fé de cada qual.

Estará o artista a fabricar uma metáfora escondida?

Este acaba por ser o maior valor da própria arte.

Lá está, a mensagem.

Garau, descreveu-a como “escultura imaterial para ser colocada numa casa particular dentro de um espaço livre e com dimensões variáveis”.

Poderia pisar a obra todos os dias e jamais dar-me-ia conta...

Talvez a explicação esteja nos livros de ciência que nunca consegui entender, e por vezes tinha dificuldade em sequer tentar.

Um espaço aparentemente vazio, mas preenchido por energia e partículas, quiçá por nós mesmos.

Uma escultura invisível. Nem som emite. Nem cor possui. Impossível de tocar.

Será que a arte caminha para aí?

É urgente repensar a colocação de barreiras.

Definições precisam ser traçadas, limites éticos respeitados.

Reconheço que, efetivamente, a obra foi carismática, provocadora e, acima de tudo, cumpriu a sua função.

Irritou muita gente.

Instigou!

Fez-nos pensar, mas também nos confrontou com a ideia de que certas criações, justamente pela sua natureza, jamais deveriam ser vendidas.

Neste caso, o artista terá perdido a noção da arte que tentava criar.

É imperativo que surjam debates, ora frios, ora áridos ou até acalorados.

Que se desperte revolta!

Que se discuta os limites da arte.

Ou, estaremos condenados à complacência.

E, que me perdoem os detratores, eu adoro-a. Não a obra.

Adoro arte.

Adoro arte contemporânea, demasiado para deixá-la escapar-me assim, como se fosse uma escultura invisível.