Ainda acreditam em super-heróis?
Bem... deviam.
Há arte que consegue superar aquelas barreiras construídas no tempo da “outra senhora”. Que desafiam a ética que ainda não tem definição, por muitos académicos que lhe metam as mãos.
Trata-se de pequenos heróis, que de pequenos tem pouco. Não têm poderes sobrenaturais, não voam, e muito menos se vestem com fatinhos de licra.
A capa é a sua tinta, e a assinatura a sua imaginação.
Em termos práticos e em momentos mais obscuros da noite, uma mancha de tinta é convertida num simbolismo categórico.
Este super-herói em particular sai à rua.
Os curiosos pagam a particulares, a fim de desvendar o seu rosto. Mas ainda assim, nas desconfianças, Bansky mantém-se no anonimato.
Numa época presa ao passado, com medo de mudar, este super-herói retrata momentos duros da história. Através da mistura de várias camadas culturais é criada uma mensagem, que se eterniza perante um povo.
E meu Deus… como a mensagem é forte.
Por vezes invasiva, literalmente! Saltando a cerca dos vizinhos.
Contudo, não deixa de ser provocante, aliciante e até desafiante.
Uma mensagem que derruba anos de hierarquia e anos de responsabilidades.
Desafia a própria democracia e as leis que consideramos imutáveis da vida.
Bansky não revela a própria cara, mas revela cada traço da sua identidade com a mensagem que convoca.
Desafia séculos de hierarquia, separando-a em pequenas peças de dominó.
Desafia a luz do sol, que não brilha de igual forma para todos.
Bansky desafia a própria educação, expõe a ferida da diferença que é vivenciada por muitos.
Toca na ferida, por questões sociais e políticas. Apela ao ambiente e protege os animais.
É criticado por permitir ampliar um campo de visão restrito ao umbigo de muitos.
Elogiado, porque defende uma parte da sociedade que parece não ter voz suficiente para se fazer ouvir.
Não ensina o novo, declara o que a sociedade nada faz para mudar.
Ronda os 50 anos de idade, dizem.
Supõe-se que no passaporte o nome que surge seja Robin Gunningham.
Quem sabe?
Na verdade, a maravilha do artista começa nos testes inconclusivos da sua identidade.
Não que a sua revelação afete o seu trabalho. Mas sejamos francos, o anónimato, é certamente uma faceta que lhe encaixa bem.
O seu palco é o mundo, a sua tela são as ruas, as paredes, o chão, as janelas.
Banksy alimenta-se do caos que define a nossa era moderna. Trata-se de um super-herói que analisa e desenvolve como a realidade é vista através da arte. O seu traço quase melancólico rompe a urgência das notícias efémeras e faz-nos hesitar diante da banalidade diária, convidando à reflexão.
O poder da arte é uma coisa que não tem explicação, e as respostas que dá não conseguem alcançar tantas perguntas.
Banksy caminha sobre o fio do caos moderno, é aí que a sua arte respira.
Deixa-nos a pensar.
Das ruas cria uma tela, dos pincéis cria uma história real.
As opiniões são confrontadas, como sempre.
Para uns, um herói, para outros, um “vândalo”.
A arte deste artista é um sussurro motejador numa praça vazia, um grito paciente no mural coberto em cimento, lembrando-nos que as mensagens subversivas habitam tanto na delicadeza da subtil ironia quanto no choque provocador.
Talvez, no fim, Banksy seja apenas um pincel que o mundo não pediu, delineando sobre os escombros uma verdade sorrateira. Mas verdadeira.
Bansky veio para ficar, para mexer na ferida e incomodar. Trata-se de uma espécie de fantasma que quis contornar o contemporâneo com uma ferida aberta que ateimamos em fechar sem cicatrizar.
Girl With Ballon, é talvez a obra mais conhecida, surge de uma arte que levou o seu tempo a ser posicionada, o grafiti; e esclarece que a esperança terá sempre um lugar. Valores que tendemos a deixar escapar.
Quando vendida por um milhão de libras em Inglaterra, é completamente autodestruída por um pequeno gatilho, através de um controlo remoto que imediatamente ativou o alarme colocado no verso da obra, um triturador de papel.
O curioso é que isso fazia parte da própria performance do artista.
Tratar-se-á de uma crítica ao mercado de arte?
Bansky, sempre acessível e efémero, devoto de uma arte para todos, nas ruas que todos podem ver, sentir e apreciar, foi também ele capturando no grande mundo da arte. Ao destruir a sua própria obra no auge do consumo capitalista, Banksy expôs a mercantilização da arte como se de um espetáculo vazio se tratasse.
O mais irônico, e também, poderoso, é que, ao ser parcialmente destruída, a obra ganhou ainda mais valor.
Assim, o fantasma de Bristol revela um grito. Talvez por isso, seja tão particular, um lembrete de que a arte contemporânea ainda respira, reage e questiona. Continua a ser uma ferramenta poderosa de subversão e consciência. E Banksy, mostrou que o artista ainda pode estar um passo à frente do sistema que tenta seriamente “domesticá-lo”.