Naquele que é, aparentemente, um tempo de crescente incerteza, há mais ferramentas do que nunca para aumentar o nível de controlo e previsibilidade à teia progressivamente entrópica da vida. Os vários meios tecnológicos (techne em todos os sentidos da palavra), que variam no grau do seu afastamento da nossa corporalidade e simultânea viragem para a virtualidade, parecem, no entanto, incapazes de assegurar um desenrolar estável, certo e pré-antecipado dos acontecimentos. Ironicamente, a presença cumulativa da tecnologia torna o efémero e a sua disseminação ainda mais evidente. Mas esta também destilou todas as coisas tipicamente humanas que permanecem, independentemente da paisagem supostamente desolada das máquinas e do software: as limitações intrínsecas da percepção e dos afectos.

“Somos, decerto, seres enganáveis e predispostos a ser enganados”, mas esse engano só se aplica à mediação sensorial que possa ser reproduzida tecnicamente.1 Contudo, a história partilhada – e frequentemente indistinguível – da sensorialidade humana e da tecnologia sugere um esbater da dura divisão entre percepção sensorial e a condição da sua ausência no seio da esfera matematizada.

A nostalgia induzida pelo esquecido som da estática televisiva, aqui através da já nostálgica, sempre fantasmática impressão fotográfica (o meio que mais nos aproxima da morte, ainda em vida), prende-se ao traço acústico liminal deixado pela subtil, mas exigente, manualidade do registo rítmico esculpido pela mão: exigente no seu pedir por disponibilidade de intimidade e tempo – nem mais nem menos. A ressonância destes estímulos vibratórios estabiliza e quase emudece sob o vórtice centrífugo do olhar que conduz hipnoticamente não à anaesthesis, outrossim a um território espacial e perceptual metodicamente expandido. A sugestão de Hypnosis, ou mesmo de Thanatos, estimulada pela suspensão ocular de referências firmes e terrestres que transmitiriam uma sensação de ainda pertencer – i.e., de ainda estar (aqui) – é por sua vez jocosamente subvertido através das reconfigurações dos ordenados, e depois desordenados, paradigmas da estruturação humana do espaço. Uma vez que esta última está sempre imbuída de códigos implícitos – uma inevitável condensação dos nossos muitos sistemas de desejos e crenças – a única contramedida que resta é assumir a manipulação através de uma poética (com humor, se possível) que perturbe e destabilize, para depois reinventar. Entre as frequências, construcções, signos e sinais que pairam hesitantemente num movimento para longe do chão, o centro de gravidade continua denso e reunido na massa corpórea comprimida.

Para além das suas implicações metamórficas e cinéticas, Shift + Enter é um atalho de teclado usado para criar uma nova linha num parágrafo, também conhecido por “quebra suave [soft break]”. Há uma encriptação digital exacta que define a métrica desta quebra [break]. Porém, conhecer o sentir da suavidade [softness] não é redutível a feitos linguísticos nem a uma derivação de uma qualquer ordem calculada de significação, por muito sofisticada e complexa. Ao contrário, só pode ser traduzida pelo corpo no encontro com o peso.

(Texto por Maša Tomšič)

Notas

1 Mersch, D. “What is Koinōnia under Technological Conditions?” Em Actor and avatar: a scientific and artistic catalog, editado por D. Mersch, A. Rey, T. Grunwald, J. Sternagel, L. Kegel, e M. L. Loertscher. Bielefeld: transcript Verlag, 2023.