Em Final fantasy, Karlos Gil propõe uma viagem sensorial e reflexiva por paisagens onde a própria matéria questiona a nossa ideia convencional de futuro. Cada espaço revela uma etapa distinta deste percurso que atravessa conceitos como a fantasia, as ruínas contemporâneas, a ficção científica, a geologia e o tempo como força ativa e transformadora, com o objetivo de criar um novo romantismo tecnológico.

A exposição começa com Timefall, um ambiente imersivo de envelhecimento acelerado, no qual as peças são sujeitas a processos químicos e atmosféricos que as corroem gradualmente. Dia após dia, as obras mudam e degradam-se, revelando que o tempo não é um enquadramento estático, mas sim um escultor constante que molda e redefine o visível. Este processo de decomposição física gera detritos que são reciclados em pigmentos para criar Spectre, uma série de desenhos que evocam “assombrações tecnológicas” — visões espectrais de futuros sugeridos mas nunca plenamente consolidados.

Na galeria principal, Vortex transporta-nos para o interior desconhecido dos vulcões hidrotermais islandeses através da heliografia, uma técnica fotográfica antiga que utiliza a luz solar para captar imagens. Paradoxalmente, esta técnica solar regista espaços subaquáticos mergulhados em escuridão absoluta. As imagens, impressas em placas de alumínio tratadas com pátinas termocrómicas, reagem à passagem do dia, variando de cor conforme a intensidade e qualidade da luz exterior, transformando-se num verdadeiro termómetro atmosférico que liga o exterior a um interior inacessível e misterioso. Estas peças reagem à posição do sol, absorvendo as frequências de onda específicas desse momento, tornando-as irrepetíveis e gerando um trabalho totalmente artesanal que esbate as fronteiras entre alquimia e magia.

A instalação escultórica Terminal surge como um contraponto material e conceptual. Um passadiço modular abandonado é recontextualizado no espaço expositivo como paisagem poética, evocando a beleza desolada dos campos de lava perto de Námaskarð, na Islândia. Estas estruturas — habitualmente utilizadas para proteger tanto os visitantes como os terrenos frágeis em zonas geotérmicas ativas — são aqui apresentadas como relíquias de uma função suspensa, despojadas da sua utilidade e reimaginadas como vestígios de uma infraestrutura não concretizada. Terminal desdobra-se, assim, como uma paisagem romântica em ruínas, invocando visões de futuros abandonados e mundos especulativos. Convida não apenas à fantasia, mas também a um desvio contemplativo por camadas de tempo — tecnológico, geológico e psicológico. Isoladas e recompostas, estas formas fragmentadas ressoam com a estética da ficção científica e do sublime, oferecendo uma meditação silenciosa sobre a temporalidade, a obsolescência e os sistemas invisíveis que moldam a nossa realidade imediata.

Afterlife é uma instalação audiovisual generativa que propõe uma meditação tecnológica sobre a memória e a perceção da paisagem. Paisagens filmadas em diferentes locais do mundo são entregues a uma inteligência artificial que não as reproduz simplesmente, mas sonha-as, reorganiza-as e reinventa-as incessantemente. A paisagem torna-se assim um organismo suspenso, sensível à presença do espectador, respirando, mutando e esquecendo — como uma memória que nunca se fixa por completo. Tal como no Romantismo, a paisagem aqui não é apenas a natureza, mas um espelho da interioridade humana: imensurável, ilusória, profundamente instável. Contudo, onde o viajante romântico encontrava o abismo da sua solidão, o espectador de Afterlife encontra um sistema vivo: uma memória tecnológica que reescreve incansavelmente o seu próprio passado. A inteligência artificial, longe de congelar o mundo numa imagem estática, sonha as paisagens como alguém que recorda um lugar que já não existe. Neste cruzamento entre o Romantismo e a tecnologia, a paisagem deixa de ser território para se tornar tempo profundo; deixa de ser objeto de contemplação para se tornar sujeito de transformação.

Coletivamente, Final fantasy interroga as nossas noções de futuro e de ruína contemporânea, explorando como a tecnologia e a fantasia se cruzam na nossa relação com o tempo e o meio ambiente. Aqui, a paisagem deixa de ser meramente decorativa para se tornar uma dimensão líquida, maleável e viva. A matéria apresentada é mais do que um testemunho do desgaste do tempo — é uma oportunidade para imaginar novas narrativas que emergem constantemente entre as ruínas e fragmentos do presente. Em última análise, Final fantasy confronta-nos com os escombros do amanhã, ao mesmo tempo que nos convida a continuar a sonhar outros futuros possíveis.