Entender uma exposição como um exercício de escuta, um encontro, um pretexto mais do que um texto. Entender o espaço expositivo como uma cena, no sentido teatral do termo, em que afinamos o ouvido, nos abrimos à interacção com outros corpos, presentes ou ausentes.

O espaço de exposição é estranho por condição. Nele, uma certa percepção de presença coincide com uma irreprimível solidão, dir-se-ia existencial. É porque o espaço expositivo tudo amplifica: o palpável, o visível, o incorpóreo e o atmosférico.

Meia meia, glorioso e gracioso título, traduz um encontro ad impromptu entre dois artistas de gerações e tradições distintas que parecem conhecer-se desde sempre. O diálogo, dispositivo relacional tão raro quanto precioso nos tempos que vivemos, é fluído, desafiante e vibrante. Por isso, o encontro é tanto mais comovente.

Nas pinturas de Manuella Silveira, a materialidade imanente mas ambígua convoca o olho para um trabalho háptico rente à superfície, uma espécie de escrutínio rasante e palpante. A pintura vibra não só cromaticamente, também texturalmente: incisões, ínfimos baixos-relevos, quase-figuras de pernas para o ar, elementos isolados de um corpo para formar outro: híbrido, divertido, absurdo. Metamorfoses ambulantes com nomes ora metonímicos ora performativos: Botadeira, Queda de Braço, Fujona…

Nas esculturas de Vasco Futscher, quase-pinturas, ou pinturas que conquistam o espaço, entre o plinto e a parede, entre as artes da construção e as artes decorativas, o brutalismo e a graça, o folclórico e o minimal, o modernismo e o vernacular, uma geometria imperfeita em que a cor tanto se afaz à forma como marca o ritmo, o tempo do olhar, o desejo da mão. Estas peças existem num espaço liberto de constrangimentos disciplinares e por isso parecem flutuar no espaço: unidas por uma lógica construtiva, umas dialogam mais com a (história da) pintura, outras remetem para a experiência da arquitectura, a vivência do espaço urbano.

Esta é uma exposição, ia dizer uma experiência, que nos devolve o corpo. Uma exposição-ressonância, feita de ecos e de remissões, um espaço em potência preparado para o encontro.

(Texto de Nuno Faria)