A montanha: pilar da criação. Eixo cósmico. Axis mundi. Meio de ligação entre o céu e a terra, a verdade e a ilusão: arte? Ciência? Os picos do Marumbi são como dedos que seguram as estrelas no firmamento, sobre uma pequena cidade do litoral paranaense: um pedaço do Brasil. Frederico Lange tornou-se Lange de Morretes quando se viu longe da terra natal. “Se queres ser universal, começa por pintar a sua aldeia.” Aqui, foi símbolo, muitas vezes incompreendido, exilou-se. Em sua fuga romântica, transitou por metrópoles alemãs, nas quais frequentou importantes instituições de ensino. Durante a Primeira Guerra Mundial, abrigou-se nos bucólicos Alpes da Baviera. Ali, visualizou a Serra do Mar paranaense nos Montes Alpinos, ou ainda, viu nos telhados dos vilarejos bávaros a histórica Casa do Ipiranga, em que passou sua infância. Seria defeito do coração?

De volta ao Brasil, tornou-se artista enigmático, cientista sensível e professor generoso. Embrenhou-se na floresta e conversou com pinheiros, encantou-se, em busca de um Locus amoenus em que a arte, a ciência e a educação fossem melhor valorizadas. Isolou-se para falar ao universo. Muitas vezes dentro de sua própria concha: paradoxo? Alternou-se entre a Escola e a Floresta. Realizou exposições e expedições, lecionou os segredos das artes para jovens de todas as origens e classes sociais.

Décadas depois, em outra dessas fugas, mudou-se para São Paulo, onde mergulhou no fazer científico, após o cenário artístico lhe parecer insensível e mercantilizado. Lá, aplicou sua criatividade em rigorosas pesquisas malacológicas. Durante viagens pelo litoral dos dois estados, observou e coletou bivalves e búzios: seus amuletos.

Não são os sambaquis montanhas de conchas? Guardiões dos segredos de um passado ancestral. Memória: habita o espaço-tempo. O movimento espiralado da concha de um caracol. Vórtex, galáxia. Um eterno retorno: a montanha virando mar, que volta a ser deserto. Concha: um corpo-casa, côncavo e convexo: vazio Zen.

“Ver o mundo em um grão de areia.” Montanhas e vales na poeira cósmica, fotografada por telescópios que orbitam no espaço, ou mesmo cordilheiras que surgem na lente de um microscópio, o Marumbi no zoom de uma câmera fotográfica. Ouvir o barulho do mar em uma concha: não é nisso que consiste olhar a paisagem? Representação mimética do cenário natural ou manifestação da natureza interna do pintor? Poesia escrita no idioma dos pinheirais, cataratas e morros. Diferente da exatidão dos mapas e desenhos cartográficos, dos catálogos de espécimes. Desenvolve-se no ritmo do sonho, da lesma, da câmara lenta, da melancolia dos gênios e dos loucos, dos artistas e dos cientistas: das montanhas. É viva, cíclica. Vislumbre do perpétuo no efêmero: um coração de bananeira.

(Texto de Marco Baena)