Já sabemos que os jornalistas estão condenados a uma profissão precária, bem como a salários miseráveis. Já sabemos que os jornalistas têm horas para entrar na redação, mas não têm horas para sair. Também sabemos que o jornalista tem de ser “pau para toda a obra”, ou seja, se quiser vingar tem de saber fazer um pouco de tudo dentro da profissão. E com o evoluir das novas tecnologias mais terá de saber.
Ser jornalista neste momento não é só saber escrever notícias, ter os critérios de noticiabilidade na ponta da língua, bem como o Código Deontológico que rege a profissão. Com o emergir das redes, o jornalista também terá de dar uma perninha em fotografia e Photoshop, edição de vídeo para os reels do Instagram e vídeos do TikTok, bem como edição de som entre outras coisas.
No meio de tanta tarefa para fazer e com a tamanha necessidade de saber das coisas em primeira mão – mesmo que não estejam cem por cento verificadas – a verdadeira informação acaba por se perder fazendo com as pessoas acreditem em tudo o que veem. O jornalismo precisa de tempo para verificar as informações, para que assim, possa dar informação isenta e fidedigna.
Na última conferencia O futuro dos media o atual primeiro-ministro fez fortes críticas ao setor do Jornalismo, dizendo que as perguntas que os jornalistas faziam lhes eram sopradas ao ouvido e que estas eram previamente feitas. No meio de outras críticas, saltou também à minha atenção o facto de o primeiro-ministro ter criticado o ritmo “ofegante” do Jornalismo, bem como a utilização do auricular, sem esquecer o facto de que segundo o representante de Estado, os jornalistas não valorizarem a profissão.
Há muito a dizer sobre isto. Se o evento tem como destaque os media nacionais, não faz qualquer sentido ir para lá com o propósito de tecer críticas ao setor e seus profissionais, ainda para mais, críticas sem quaisquer fundamento. A começar, se os jornalistas não valorizam a sua profissão é muito por culpa do estado em que a profissão se escontra e não me venham dizer que “quem trabalha por gosto não cansa”, porque isso não paga as contas ao fim do mês nem põe comida na mesa.
Os jornalistas só poderão valorizar a sua profissão quando virem o seu trabalho reconhecido, não só em valor monetário, mas também no plano profissional – no sentido em que veem que a informação tem impacto na sociedade e que não cai em saco roto –, porque o que vemos atualmente é as pessoas acreditarem mais depressa num vídeo duvidoso do TikTok do que numa notícia que demorou tempo a ser verificada. Porque o jornalismo é pesquisa, confirmação da informação, isenção e verdade e com a rapidez que as redes sociais e a Internet nos impõem isso não é possível.
Depois, dizer que os jornalistas fazem perguntas que foram previamente feitas apenas mostra que o jornalista se preparou para aquele determinado trabalho, ou seja, fez o seu trabalho de casa. Qualquer jornalista que se preze, independentemente do trabalho que tenha em mãos, estuda o assunto previamente e prepara as perguntas que tem a fazer. Que sentido tem, por exemplo, um jornalista ir fazer uma entrevista a uma determinada figura sem ter estudado previamente a pessoa? O jornalismo não é um trabalho de improviso e nunca foi. O jornalismo é um trabalho que envolve pesquisa, assimilação da informação, tratar essa informação de acordo com os critérios de noticiabilidade, que norteiam a profissão, com isenção e verdade.
Dizer que as perguntas que os jornalistas fazem são sopradas ao ouvido – não tem qualquer cabimento. O auricular é um instrumento de trabalho, como qualquer outro, e que é utilizado para os jornalistas comunicarem com a régie e vice-versa. Se há coisa que as novas tecnologias trouxeram de positivo ao setor foi a criação de determinados equipamentos, como os auriculares que, permitem tornar o trabalho da comunicação mais rápido e cómodo.
Outra das críticas feitas pelo primeiro-ministro foi que o Jornalismo se encontra com um ritmo ofegante. O Jornalismo não está ofegante. Diria antes que o jornalismo está acelerado fruto dos novos tempos e das novas tecnologias, que impuseram aqui este ritmo acelerado, pois as pessoas querem ter acesso à informação ao minuto. Dizer que o jornalismo está ofegante, mostra que não tem consciência do que foi preciso fazer para chegarmos onde estamos hoje: num país democrático, onde as pessoas têm liberdade para dizerem e pensarem o que quiserem.
Se passados 51 anos vivemos num país democrático, onde tudo nos é permitido, muito o devemos à intranquilidade do Jornalismo e dos seus profissionais que no Portugal Salazarista arriscaram a sua vida para dizer o que o Estado não queria que se soubesse. Em contrapartida, Luís Montenegro apelou a um jornalismo tranquilo. O Jornalismo nunca poderá ser tranquilo, porque faz perguntas, mesmo que incómodas, promove o debate dos assuntos, reflete, interage e comunica com o público.
Se a verdade e a isenção são aliadas do Jornalismo, a intranquilidade e a urgência tão o são. A partir do momento em que o Jornalismo deixar de contar com estes fortes aliados podem esquecer a Democracia, porque terá desaparecido e tempos tenebrosos se iniciarão. Não queiramos regressar a esses tempos, onde pensar e expressarmo-nos livremente será proibido e onde o Estado irá comandar a vida das pessoas a seu belo prazer, sem que os cidadãos tenham uma palavra a dizer.