Em meu último texto transcorremos o percurso histórico de Cabo Verde para chegar à independência, neste avançaremos no tempo.

Em 1975 Cabral já não se encontrava fisicamente entre nós, mas o seu extraordinário legado ético, político e cultural orientou os Combatentes da Liberdade da Pátria, sejam os que estavam nas matas da Guiné, sejam todos os outros, intelectuais de esquerda que lutavam na clandestinidade pela libertação do país como militantes do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), seja todos os homens e mulheres de boa vontade que aderiram ao projeto da independência.

Assim começou a caminhada ascendente que conduziu Cabo Verde ao patamar de país de desenvolvimento médio que é hoje, internacionalmente conhecido como um país com boa governação e gozando de boa reputação.

O país que era considerado por todos como país inviável, devido ao seu reduzido tamanho, escasso número de habitantes, desprovido de recursos naturais e absolutamente dependente de chuvas aleatórias para sua vocação agrícola tornou-se viável e nunca mais a fome provocou a morte dos seus habitantes.

Como foi isso possível?

A primeira grande preocupação dos novos governantes saídos do PAIGC foi sem dúvida o combate à fome. Ainda que ocorressem secas, como efetivamente ocorreram, o fundamental era não deixar que as populações morressem à fome.

Criaram-se assim várias instituições e mecanismos para driblar as secas, sendo os mais importantes as frentes de alta intensidade de mão de obra, as célebres FAIMO (Frentes de Alta Intensidade de Mão de Obra), para onde eram canalizados todos os camponeses e outros trabalhadores braçais na ausência de outros postos de trabalho. Graças às FAIMO não só todos os trabalhadores recebiam algum dinheiro para o seu sustento como também se aproveitava para dotar o país de uma rede de estradas muito útil ao desenvolvimento das ilhas e desencravamento das localidades.

Outro instrumento importante foi a criação de entidades como a EMPA, empresa pública de abastecimento alimentar que garantiu durante décadas o abastecimento em géneros alimentares e outros também a criação do Instituto Caboverdiano de Solidariedade, ICS foi fundamental no combate às várias carências.

Graças a EMPA e ao ICS, o grave problema de rutura de mantimentos foi extremamente reduzido pois as ilhas sempre dependeram do fornecimento externo e qualquer problema com as embarcações que traziam os géneros alimentares repercutiam de forma grave nas populações.

Diria assim que nos primeiros anos da independência foi priorizada o combate à fome e a garantia de alimentação das populações.

Também a saúde e sobretudo a saúde materno-infantil foram prioridades tendo-se criado o PMI – PF (Programa Materno Infantil – Planeamento Familiar) que passou a combater a elevada taxa de mortalidade infantil e o número elevado de gravidezes indesejadas.

A segunda década do pós-independência foi priorizada o acesso a escolarização, ou seja, o combate à elevada taxa de analfabetismo das populações que era superior a 60%.

Neste domínio os progressos foram notórios pois de cerca de uma centena de escolas primárias ultrapassamos hoje as 300; de 2 liceus um na Praia e outro em São Vicente hoje temos cerca de 60 escolas secundárias em todas as ilhas e concelhos do país; e de um ensino universitário inexistente hoje ultrapassamos as 8 unidades de ensino superior.

Cabe aqui dizer que o apoio da cooperação internacional foi determinante no combate à fome e ao analfabetismo e neste domínio o Brasil teve uma importância fundamental pois a partir da independência tornou-se no novo destino dos jovens à procura do saber e do conhecimento a nível universitário.

Centenas senão milhares de estudantes formaram-se no Brasil nomeadamente o atual Presidente da República, Dr. José Maria Neves que também exerceu as funções de primeiro-ministro na primeira quinzena do século XXI e foi pioneiro na criação de governos paritários, em África, de que tive a honra e o privilégio de fazer parte com a pasta da educação e ensino superior.

Cabe ainda dizer que as políticas públicas em prol das crianças e emancipação e empoderamento da mulher sempre foram muito robustas e acarinhadas quer pelas ONG´s quer pelo Estado.

O combate pela habitação condigna deu origem ao programa Casa Para Todos muito inspirado no programa do Presidente Lula, Minha Casa Minha Vida. Também o combate pelo trabalho digno vem sendo assinalável.

As alternâncias político-partidárias na governação

De 1975 a 1989 vivemos em regime monopartidário pelo que a governação foi sobretudo assegurada por militantes do partido da independência, vindos da luta e da clandestinidade, o PAIGC, que pode ser caraterizado como um partido do centro esquerda. Desta forma os setores político, económico, social e cultural foram marcados por políticas públicas vincadamente intervencionistas, com forte controlo do Partido sobre o aparelho do estado.

Tendo em atenção a prevalecente pobreza da maioria da população o aparelho do Estado caraterizou-se por ser essencialmente assistencialista, dispensando com os setores da alimentação, saúde, educação e transporte, o fundamental das ajudas externas que recebia.

Segundo o historiador António Correia e Silva “as transferências unilaterais dotadas de elevado grau de concessionalidade, (eram) originarias da comunidade internacional, isto é, da cooperação bilateral e das organizações multilaterais. O Estado torna-se distribuidor interno da Ajuda Publica ao Desenvolvimento.”

A partir de 1985 começa a ganhar expressão o viés desenvolvimentista que vinha surgindo a par do assistencialismo. Ainda com António Correia e Silva” nessa altura a classe dirigente introduz importantes mudanças no sentido do afrouxamento do controlo partidário sobre o Estado Político.”

Em 1989, com a queda do Artigo 4 da Constituição da República de 1981, que consagrava o PAIGC como força dirigente da nação cabo-verdiana, realizam-se as primeiras eleições pluripartidas, autárquicas e depois as legislativas, que dão a vitória ao recém-formado partido denominado Movimento para Democracia, MPD e o país entra definitivamente na era da democracia pluripartidária.

Desde 1989 as eleições vêm sendo sempre livres, justas e democráticas, dando lugar a uma alternância política dos 2 partidos com vocação de governo, o PAICV e o MPD.

A partir daí uma nova elite de vocação governamental, saída das camadas que passaram a ter acesso à formação superior no exterior através de bolsas de estudo, vem se alcandorando no poder. Num parênteses cabe afirmar que o povo caboverdiano sempre viu e continua a ver na educação a principal forma de ascender na sociedade.

Apesar das tentações hegemónicas existirem sempre, o pais vem-se dotando de uma cidadania ativa, através da formação da consciência critica adquirida nos estudos e caldeada na participação em várias organizações da sociedade civil e no assinalável respeito pelos direitos humanos, pois desde 2001 que o pais se dotou de uma estrutura para a promoção e proteção dos Direitos Humanos, o Comité Nacional para os Direitos Humanos, que evoluiu para Comissão Nacional para os Direitos Humanos e Cidadania em 2004.

Foi com esses indicadores que o país transitou de país menos avançado, PMA, para país de desenvolvimento médio, PDM, em 2007 e aspira a conquistar o estatuto de país desenvolvido.

De ressaltar que durante a primeira governação do MPD, sob a liderança do Dr. Carlos Veiga Cabo Verde realizou um acordo cambial com Portugal que tem permitido uma paridade estável com o Euro.

Tem sido assim que Cabo Verde vem sendo positivamente classificado nos vários índices e relatórios anuais que avaliam a performance política, económica, social e cultural dos países. Cabo Verde goza de uma boa reputação internacional como dissemos atrás e objetiva ser um farol de liberdade e democracia em África e não só.

Apenas a título de exemplo gostaria de realçar que o ilustre comandante Pedro Pires, herói nacional, antigo Primeiro Ministro e Presidente da República e um dos primeiros Combatentes da Liberdade da Pátria, foi galardoado com o prémio Mo Ibrahimo pela forma competente, integra e empenhada como sempre desempenhou as mais variadas funções, em prol da independência desenvolvimento do país e bem-estar do seu povo.

Aproveito também para realçar que eu mesma que tenho tido muita intervenção na área dos direitos humanos fui galardoada com o prémio Norte Sul do conselho de Europa em 1995, prémio que também foi atribuído ao Presidente brasileiro Lula da Silva em 2011 e a várias personalidades do Norte e do Sul.

Também gostaria de sublinhar que ainda este ano Cabo Verde foi distinguido pela organização Transparency Internacional como o país da CPLP melhor colocado no índice de perceção da corrupção e o segundo país melhor colocado em África.

Ainda gostaria de realçar que Cabo Verde é considerado pela Freedom House como o país mais livre da África e está no grupo dos países mais livres no mundo.

O fato do país gozar de boa reputação internacional e viver em clima de paz e respeito pelos direitos humanos tem favorecido a vocação turística, um dos principais setores de rendimento do país.