Vai atribuída a Jean Bodin (1530-1596), jurista, político e teórico francês a máxima de que não existe riqueza maior que a demografia. Não restam dúvidas que o número conta. Que a proporção tem relevância. Que a disposição das pessoas no espaço merece atenção. Ninguém dedicado à análise e à observação do meio internacional deve esse dado ignorar.
O século XX conheceu uma verdadeira explosão nessa área. A população mundial saltou de 1,5 bilhão em 1901 para mais de 6 bilhões de pessoas cem anos depois. Neste primeiro quarto do século XXI, esse número aumentou ainda mais e mais rapidamente e o número de pessoas sobre a Terra ultrapassou os 8 bilhões.
O caráter extraordinário dessa evolução vai devido a diversos fatores. Demógrafos caracterizam esse fenômeno como transição demográfica. Ou seja, a passagem de uma situação global de altas taxas de natalidade e mortalidade para outra de baixas taxas de natalidade e mortalidade. Nessa, então, viragem demográfica, ao longo do século XX, foram anotadas taxas de mortalidade maiores que nas taxas de natalidade. Dessa diferença se encontrou a justificação para parte da explicação. O recuo da mortandade, por outro lado, condicionou o avanço demográfico.
A rigor, desde o século XVIII que fenômenos subsidiários concorrem para esse processo que vai gerar a explosão demográfica dos séculos XX e XXI. O aperfeiçoamento agrícola permitiu o aumento da produção de alimentos. O aumento do contingente de pessoas integradas aos mundos do trabalho possibilitou a ampliação do acesso a alimentação. O aumento da produtividade e da variedade de produtos permitiu o melhoramento da qualidade e adaptabilidade nutricionais disponíveis.
Os progressos no campo da medicina, por sua vez, permitiram a erradicação de algumas doenças, a conscientização sobre imperativos profiláticos e a naturalização de procedimentos preventivos. A Revolução Hidráulica possibilitou o acesso generalizado a água potável. Primeiro na Inglaterra. Depois em toda a Europa. Para enfim se espraiar pelas mais variadas regiões do mundo.
Tudo isso teve impacto direto sobre a redução da mortalidade ao nascer e da mortalidade tout court na infância assim como ampliou a longevidade em todas as partes a partir de meados do século XVIII. Mais vidas e vidas mais saudáveis e mais longas tiveram também desdobramentos essenciais sobre crescimento e desenvolvimento econômico que forjaram aprimoramentos em todas as áreas. Como resultado geral, esses aprimoramentos possibilitaram a elevação generalizada de níveis de vida, escolarização, urbanização e hedonismo.
A Europa – e notadamente franceses e ingleses – conviveu primeiro com os efeitos da transição demográfica planetária. Às voltas de 1850, a sua população representava 23,4% do cômputo mundial. Em 1920, esse número tinha se elevado para 26,9%. Mas do entreguerras em diante as dinâmicas de populações começaram a se mover mais fortemente nos demais continentes. Notadamente nas Américas, na África e na Ásia.
O caso da Índia subverteu o modelo explicativo da transição demográfica. Entre os indianos, observou-se, desde 1920, uma baixa progressiva da mortalidade sem uma baixa similar da natalidade. Isso ajuda a explicar, em parte, a sua verdadeira explosão demográfica ao longo do século XX. A mesma subversão do modelo foi notada em praticamente todo o continente africano.
Em contraponto, a partir dos anos de 1970, a emancipação feminina, a sua incorporação abrangente no mercado de trabalho e a evolução de recursos de contracepção moderna por todos os continentes promoveu um recuo considerável da taxa de fecundidade. Em alguns lugares do mundo, como ao sul da Europa, no Japão e em cidades-mundo como São Paulo, Rio de Janeiro, Nova Iorque, Londres, no lapso de poucos anos, da taxa de fecundidade ficou abaixo de 2,1 crianças por mulher. Como consequência, iniciou-se uma tendência de países com taxas negativas de reposição populacional.
As dinâmicas dessa evolução impuseram variadas políticas de demográficas. Algumas para conter o crescimento da população. Outras para incentivar.
Sob os auspícios da belle époque, da virada do século XIX para o XX, surgiram códigos modernos de higienismo e higiene, culto ao corpo, “superioridade” e “inferioridade” entre os povos. Esses códigos, por um lado, permitiram avanços populacionais e, por outro lado, embasaram políticas eugenistas, especialmente após a Grande Guerra de 1914-1918, como o propósito de esterilizar e mesmo eliminar parcelas “indesejadas” de populações.
A primeira lei eugenista que se tem notícia foi votada e implantada no estado norte-americano de Indiana em 1907. O seu objetivo era a esterilização de pessoas reconhecidamente “fracas de espírito”. Especialmente aquelas reconhecidamente obcecadas pelo cometimento de crimes. Pouco a pouco e o espírito dessa lei foi se espalhando por todo o país. Tanto que no ano de 1936 33 estados norte-americanos já haviam aprovado leis eugênicas e mais de 60 mil pessoas – especialmente mulheres – tinham recebido reprimendas.
Influenciados por essa tendência norte-americana, o Canadá promulgou a sua primeira lei eugênica em 1928 no estado de Alberta. Vários outros estados e províncias pelo mundo anglo-saxão replicaram o exemplo. Especialmente na Austrália. Por tropismo, os sul-africanos incorporaram legislação similar.
No Japão, durante a ocupação norte-americana, foram diversos os dispositivos para ampliação da contracepção e encorajamento para abortos. No espaço europeu, o exemplo mais ilustrativo foi o da Alemanha nazista que desde 1934 começou a aplicar voluntariamente processos eugênicos assim como a ideologia da “raça superior”. Países nórdicos seguiram as mesmas instruções.
Em oposição a essas políticas restritivas foram criadas políticas natalistas. No entreguerras, a Itália fascista inaugurou incentivos reprodutivos para a sua população e foi seguida pela Alemanha nazista. Nazistas e fascistas acreditavam no peso do número no processo de consolidação de domínios territoriais. O caso francês foi diferente.
Desde o fim do século XIX que a França conhecia um agudo processo de baixa abrupta de natalidade. Com os 1,5 milhões de mortos na Grande Guerra de 1014-1918, a gestão demográfica do país virou uma prioridade nacional. Por conta disso, a partir de 1920, a contracepção e as práticas abortivas foram interditadas e punidas legalmente. Como melhoramento de sua política de populações, em 1932 alocações familiares para incentivar casamentos e procriação foram transformadas em lei. Uma lei que seria complementada pelo código de família aprovado em 1939.
Após a Segunda Guerra Mundial, esse conjunto de medidas foi complementado com benefícios fiscais, proteção social, cobertura de saúde para famílias e redução de impostos gerais proporcionais à quantidade de filhos. No âmbito da proteção, foram criadas, sobretudo, creches e escolas maternais. Sobre a cobertura sanitária, teve início um combate implacável às doenças - tipo a tuberculose, por exemplo – mais incidentes sobre gestantes e recém-nascidos na época. Tudo isso passou a participar da Sécurité sociale dos franceses, contribuiu para o fenômeno baby boom dos anos de 1950-1960 e diferenciou positivamente a evolução demográfica na França em comparação com Itália e Alemanha – e do resto da Europa – ao longo da segunda metade do século XX.
Ao encontro dos países pobres e subdesenvolvidos, a discussão e as deliberações ganharam outros tons. A Conferência das Nações Unidas sobre População, realizada em Bucareste, em 1974, reiterou a iminência de uma “bomba D” – uma bomba demográfica – que impediria a superação dos problemas crônicos desses países. Parte substantiva da explicação de sua falta de crescimento e desenvolvimento econômicos indicava justamente o comportamento de sua população. As teses malthusianas já tinham perdido a sua persuasão. A produção agrícola mundial avançava ainda mais rapidamente que a população. O problema, por certo, não seria alimentar. Mas, sim, de alocação de recursos. O argumento ambiente indicava a incidência negativa do peso demográfico sobre a alocação de investimentos produtivos. Nesse sentido eram receitadas políticas antinatalistas para todos esses países ao Sul.
Foram variados os movimentos de resistência a esse receituário. O imperativo religioso, por exemplo, foi decisivo em praticamente todo o Oriente Médio e sobre vários espaços africanos. No caso chinês, Mao Tsé-tung chegou a afirmar, ao longo dos anos de 1950, que “uma criança a mais seria uma boca suplementar a alimentar, mas dois braços a mais para trabalhar”. Não existia para ele contradição entre demografia, crescimento e desenvolvimento. Do contrário. Essas variáveis atuavam em sinergia. O líder indiano Indira Gandhi, na mesma sintonia de seu homólogo chinês, reconhecia que crescimento e desenvolvimento “levariam tempo”. Mesmo assim, políticas antinatalistas foram implantadas em muitos desses países, especialmente na Índia e na China, ao longo dos anos de 1950-1970.
Na Índia de Nehru, por exemplo, foi interditado o casamento de crianças e elevada a idade legal casamentos. Foi assim estabelecido um planning familiar. A família ideal deveria produzir apenas duas crianças. Mas a realidade ostensivamente rural do país acabou por impor outra ética aos seus cidadãos. Diferente das regiões urbanas, nos campos, a procriação seguiu em taxas elevadas como meio de ampliação da força de trabalho.
No caso chinês, as mudanças sérias ocorreram a partir de 1970 quando foi apresentado o plano Wan Xi Shao. Wan queria dizer “tarde” com o propósito de retardar o momento do casamento e, consequentemente, da concepção. Xi indicava “dar espaço” de uma concepção a outra. E Shao era literalmente “pouco” para forjar a ideia de poucos filhos. Esse plano acabou não surtindo os resultados esperados. Conseguintemente, Deng Xiao Ping acabou por impor a política do filho único com todos os cerceamentos e coerções sobressalentes.
Para além dessas políticas, ainda foi constante a prática de extermínios sistemáticos em todas as partes. Na América do Sul, argentinos, uruguaios e chilenos cooperaram entre si na campanha de eliminação de povos originários que ocupavam o Pampa por volta de 1835. Nos Estados Unidos da América, a conquista do Oeste nada mais foi que um extermínio ostensivo – em seguida denominado de genocídio – de indígenas e afins; tanto para “subsistência” ao estilo Buffalo Bill como pelo simples desejo macabro como Wounded Knee em 1890.
Em verdade, as colonizações todas desde o século XVI promoveram extermínios extraordinários em todas as partes. Mas a partir do século XIX essa matança ganhou novos formatos. Mas foram os regimes totalitários do século XX os mais incontestavelmente inclementes nesse expediente. Entre 1928 e 1932, estima-se que Stalin tenha exterminado milhões de ucranianos em seus regimes de coletivização forçada, massacres indiscriminados, deportações e fome. Apenas submetidos à fome, o seu regime assassinou mais de 5 milhões de pessoas. Mas a Shoah realizada pelos nazistas foi o expurgo de populações mais impressionante de todos os tempos.
Desde 1935 que o regime nazista elencou os judeus como alvo a ser humilhado, reprimido e exterminado. Com o início da segunda Grande Guerra no espaço europeu, variados guetos de judeus foram estabelecidos em várias partes. A partir de 1941 foi posta em marcha a Solução Final – leia-se, a indústria alemã de extermínio de judeus. 6, 7 ou 8 milhões de judeus foram exterminados com esse método. Esse número representou aproximadamente 50% da população judaica em todo o espaço europeu.
O choque moral, intelectual e cultural dessa sanha macabra jamais abandonou os espíritos de todas as civilizações agrupadas no mundo. Da mesma sorte que o massacre turco de perto de 2 milhões de armênios, um terço de sua população, em 1915, ainda marca todo o Oriente Médio. O que se viu em Ruanda, em 1994, não foi em nada diferente. Tutsis e hutus se eliminaram às centenas de milhares. O conjunto dos koulaks stalinistas assassinaram mais de 8 milhões de pessoas. Da mesma monta, o Khmer Vermelho no Camboja. Além de extermínio e assassinatos imediatos de populações inteiras, o século XX ainda presenciou diversos movimentos de controle, punição e pressão para dispersão demográfica. As guerras totais e seu depois seguem as mostras mais efetivas dessa patologia.
Outro aspecto importante da demografia mundial foi a movimentação de populações. O êxodo rural começou em massa na Inglaterra logo após a Revolução Industrial e se afirmou no século XIX tornando a população urbana maior que as do campo ao longo do século XX. Na França e nos Estados Unidos da América essa transição começou a se notar nos anos de 1920. Ao sul da Europa, notadamente na Itália e nos países ibéricos, isso ocorreria depois de 1945. Entre os chineses seria entre 1952 e 1960 quando a China presenciou a mudança de mais de 44 milhões de pessoas dos campos para a cidades. No caso indiano, os números foram ainda mais espantosos, complexos e dinâmicos sua escala precisa ser ampliada no tempo.
Nos finais do século XX, os emigrantes rurais saíram de 62 para 281 milhões ao passo que a população rural, dada a força da reprodução humana, passou de 279 para 735 milhões. Na maior parte dos países em desenvolvimento – Brasil, incluso – essa urbanização e alteração da ocupação do meio rural ocorreu a partir dos anos de 1960.
Outro movimento importante de populações foi devido a migrações internacionais. Entre 1901 e 1914, esse fluxo migratório mundial foi simplesmente espetacular. Estima-se que mais de 100 milhões de pessoas mudaram de país nesse período. Perto, portanto, de 7% da população abandonou as suas fronteiras originárias. Entre os europeus, 15 milhões de pessoas deixaram o continente. Mais de 4 milhões de italianos, 3,5 milhões de ingleses e 2 milhões de eslavos, notadamente residentes no império austro-húngaro.
O destino principal da maior parte dos imigrantes foi os Estados Unidos da América. Os cálculos sobre movimentações populacionais indicam que mais de 1 milhão de pessoas ingressaram legalmente em solo norte-americano naquele início de século antes de 1914. Esse número promoveu um aumento de mais de 50% na população local.
Além dos Estados Unidos da América, porções importantes de imigrantes se dirigiram às Américas e às antigas colônias na África e Ásia. A Argentina, por exemplo, entre 1901 e 1914 viu a sua população crescer em 55%. Indianos aumentaram substantivamente a população da África Oriental. Japoneses e chineses, das Américas como um todo.
Os fluxos continentais também foram expressivos. Canadenses e mexicanos ao encontro dos Estados Unidos da América. Chineses para a totalidade do sudeste asiático. Japoneses para as colônias nipônicas de Formosa e Coréia. Italianos, belgas, espanhóis ao encontro da agricultura, minas e indústria na França.
Até o início da Grande Guerra de 1914-1918, Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Nova Zelândia foram praticamente abertos à imigração. A sua demanda por força de trabalho era imensa. Mas desde o final do século XIX que esses países começaram a impor restrições de entradas. Os norte-americanos, por exemplo, passaram a recusar minorias asiáticas e notadamente chinesas. O Chinese Exclusion Act de 1882 foi a mostra mais forte dessa interdição. Anarquistas, doentes e prostitutas também deixaram de ser aceitos. Em contrapartida, no espaço europeu, a França despontou como um país de acolhimento. Antes da Grande Guerra os franceses instituíram a lei do sangue adicionada à lei do solo. Esses dispositivos conferiam a cidadania ao filho de um francês e permitia ao nascido em solo francês tornar-se.
1914 descontinuou todos os fluxos.
A partir de 1921, o ingresso nos Estados Unidos da América começou a ser realizado mediante cotas por nacionalidade. No caso francês, que perdeu 1,5 milhão de pessoas na guerra, o trauma era grande, mas também a necessidade de força de trabalho parecia ainda maior. Por conta disso, implementaram numerosas políticas públicas de atração de imigrantes ao longo de todo o entreguerras.