Um dilema existencial e as suas distintas facetas, são o ponto de convergência tanto para o texto proposto quanto para a obra de Milan Kundera. O romance filosófico explora as tensões entre a leveza, tratado como as escolhas livres, e peso, relacionado às responsabilidades e compromissos. Neste texto vamos propor uma analogia entre o consumo desenfreado, o descarte, produção de lixo e a sustentabilidade.

Anualmente, doze milhões de toneladas de roupas são descartados nos aterros espalhados pelo mundo. Em solo lusitano, conforme os dados divulgados pela Agência Portuguesa do Ambiente, cerca de duzentas mil toneladas de resíduos têxteis são geridos e processados com um alto custo financeiro.

Contudo, muitos argumentam ser muito difícil fugir do consumismo, comprar somente o necessário, refutam que o sistema está ajustado para termos desejos frequentes e assim girar a roda da economia. O consumo compulsivo por compras, tem levado muitas pessoas a consultórios de saúde mental e preocupa a OMS. A aquisição de itens por impulso funciona como uma dose instantânea de prazer para aliviar sentimentos como angustia ou tristeza e tem até nome: oniomania.

Em A Insustentável Leveza do Ser, a leveza por trás das escolhas fugazes e efémeras, contrasta com o peso das responsabilidades e consequências nos destinos dos protagonistas. No mundo real, as estratégias e mecanismos baseados em gatilhos mentais, empurram os consumidores para compras por impulso, sem considerar a quantidade de itens descartados anualmente e o impacto ambiental causado.

Por meio do destino dos seus personagens, o autor discute a liberdade sem restrições e as suas implicações. Aqui, fazemos a analogia com a era do consumo descontrolado, onde as escolhas descartáveis, trazem consigo uma “leveza insustentável”, que pode ter consequências profundas e um preço impagável, diretamente ligado à nossa sobrevivência.

O nosso consumo exacerbado é, frequentemente, impulsionado por campanhas agressivas de marketing que criam a falsa ilusão de que a felicidade desabrocha no acúmulo incessante de bens e tendências passageiras. Tal como Tomás, vivemos numa constante busca por novas experiências, livres de amarras e referências e essa dinâmica cria consumidores automáticos, levados a um exercício sem fim de substituição de produtos, sem uma reflexão sobre as consequências desta dinâmica autodestrutiva e inútil.

Infelizmente, essa cultura gera uma insatisfação crónica, que acompanha ansiedade e culmina num círculo vicioso, onde a ato de consumir é o alívio momentâneo de estresse. A dependência do consumo é muito semelhante à relação vivida entre Tomás e Teresa, onde o apego e a perda de interesse chocam-se de maneira destrutiva, bem como a busca viciante por novidades gera um vácuo emocional, existencial e muito lixo na superfície do planeta.

A compra desenfreada, em atendimento a um prazer imediato, compromete o planeta e afeta a nossa permanência com espécie. Neste contexto, é necessário questionar o uso do conceito de sustentabilidade como ferramenta de marketing onde práticas greenwashing, são usadas por empresas que encenam uma preocupação ambiental, mas não movem uma palha para alterar os seus impactos negativos. Precisamos de soluções reais para redução da pegada ecológica e as suas consequências na coletividade.

As redes de fast fashion lançam coleções ditas sustentáveis, mas mantém o seu modelo de produção baseado na exploração de recursos físicos e humanos e no descarte de roupas que se tornam obsoletas em semanas. Essa prática faz com que o “barato” se torne, na verdade, muito caro para o meio ambiente e para a sociedade. Essas marcas investem mais em publicidade verde do que em soluções reais, o que mostra a incoerência das suas práticas, alimentam uma falsa sensação de responsabilidade ambiental e compromisso social.

O impacto poluidor da produção e descarte dos resíduos têxteis no ambiente é algo chocante. Segundo dados da PlanetAid, uma organização britânica sem fins lucrativos, são necessários 2.600 litros de água para produzir uma t-shirt e essa peça pode levar até quarenta anos para se decompor completamente. Além disso, a indústria contribui a poluição de 20% da água potável em escala mundial, decorrente a utilização de produtos para tingimento e acabamento.

Estabelecer uma relação saudável e avaliar as decisões no consumo é imprescindível no plano coletivo. A geração global de resíduos e os custos associados a gestão deste entrave resulta em impactos devastadores e obriga a necessidade de mudança de hábitos para o ganho global.

Estamos diante de um problema económico, social, ambiental e ético que necessita de uma ação conjunta, articulada entre os diferentes atores, exige uma abordagem coletiva e estruturada. Um dos caminhos para combater essa “leveza insustentável” do consumismo é fomentar adequadamente a economia circular baseada na reutilização e na redução do desperdício.

Preservar o ambiente e regenerar os estragos já causados podem render mais dividendos as empresas que entendem a sua responsabilidade social, permitem-se uma mudança genuína e não mascaram uma isca para conquistar os consumidores. Pequenos gestos como optar por marcas transparentes, valorizar o comércio local, evitar resíduos de longa meia vida, são poderosos instrumentos de transformação que nasce no seio dos compradores conscientes.

Tal e qual como os personagens do autor Milan Kundera encontraram um sentido mais profundo ao adotar a cadela Karenin, a sociedade precisa abraçar uma “sustentável leveza de ser” onde o peso da responsabilidade como ambiente e com a humanidade não é um fardo, mais uma escolha consciente. Esse caminho é essencial para garantir a continuidade da vida no planeta, criar um ciclo virtuoso de valor que beneficiam produtores, consumidores e o ambiente.