Em setembro, no Centro Cultural Franco-Moçambicano, Albano Gove, Hélder Gonzaga, Radjha Ally, Sarmento de Cristo e Timóteo Cuche levaram a sua música ao coração da ribalta. Xixel Langa fez a festa da criatividade. Cheny Wa Gune tocou a preciosidade.
Ainda só vamos na terceira música, mas Lucrécia Paco e Jorge Vaz já estiveram no palco umas tantas vezes, uma declamando e outro apresentando, satiricamente, os artistas. Albano Gove e Hélder Gonzaga estão a tocar Maya/Ávila, numa galvanizante descarga de energia que sucede a um acumular de tensão quase sufocante. O suspense de Jorge e a poesia de Lucrécia – sempre intercalando as atuações – não mais faziam sentido para uma noite que se pretendia memorável e com mais de 40 momentos. E, pior, com a chuva a preocupar.
Montar um clássico da dramaturgia cénica não devia significar, nos tempos de hoje, transpor a peça tal e qual ela está no papel. Um rápido exercício crítico mostra que as possibilidades de reinvenção de um clássico a partir do olhar autoral dos criadores beiram ao infinito. E essas infinitas possibilidades devem, todavia, explorar somente o essencial, para cativar. Ou caso não, se experimenta o que se sucedeu na sexta-feira: o público, cansado com aquele comprimento de onda, foi abandonando o espaço, como infelizmente também o fizemos.
Mas o concerto era claro quanto ao seu título: Agora Somos Nós, para, após 16 anos de homenagens a grandes personalidades da arte, com mais de 300 artistas passando pelos seus espetáculos, celebrar a si próprios. E, desta vez, o grupo dedicou o espetáculo aos seus próprios membros, num total de 80, celebrando as suas criações únicas, num concerto que combinou música, dança, poesia, teatro e imagem. Mas nós, os espectadores, o que é que realmente queremos deste, ou de qualquer outro, espetáculo?
Diríamos, a magia, a vibração. A performance. E foi assim que num violento despertar Xixel Langa encheu sozinha o palco, para cantar a nona música do alinhamento, Vatekili, do álbum com o mesmo nome. A música, como afirma o seu irmão, Dário Langa, é “muito rica e diversificada, moderna e com uma classe e características africanas muito bem representadas. A música transcende barreiras étnicas e miscigena o Moçambique como um todo e transporta o jazz, o rock e o blues abraçando com raízes enfatizando a essência de suas origens”.
Não foi música criada para estes tempos, mas não é por isso que a sentimos. Porque o som, aquele som que define a loucura artística de Xixel, orgânico e eletrónico, máquina a bombear sangue, ecoa na perfeição nesta atualidade musical de fronteiras estéticas derrubadas. Ecoa de forma particularmente pungente, na sua intensidade e urgência, no seu desespero neurótico e grito libertador, neste presente que atravessamos. Que se registe: Xixel é um caso raro, então!
Naquela noite, nem mesmo as rajadas do vento e da intensa chuva, na capital moçambicana, não ocultaram o notório crescimento de alguns artistas em ascensão. De vozes à orquestra, passando pelas combinações artísticas, o TP50 vai somando conteúdo, mesmo diante de tantas saídas e perdas irreparáveis de seus membros.
Mas, para eles, o mundo é um palco e sempre se reinventam. Tandi, Pajó e Sarmento de Cristo são talentos que precisam ser acarinhados, forjados e expostos muito mais vezes. Onésia Muholove, surgida da exposição com diversos artistas, já encontra o seu rumo. Radjha Ally já se mostra, evidentemente, uma promessa tão próxima para a música moçambicana. Cheny Wa Gune e António Prista, quanta presença em palco e tarimba artística os acompanham…
No teatro, atores como Fernando Macamo, Jorge Vaz, Horácio Guiamba, Samuel Jaime Nhamatate, Joana José Mbalango, Nélia Gilberto Nhambau, Lucrécia Paco revitalizam o agrupamento e seguem a roda… criando. Inquestionável é, também, a capacidade de execução dos instrumentistas. Cada um tem um percurso artístico cujos anos podem ser avaliados em função dos resultados da forma como se relacionam com essa arte. Eles produzem uma música que – longe do encaminhamento que a composição vocalizada sugere –, de per si, é uma narrativa crescente, com um começo, um desenvolvimento e uma conclusão.
Texito Langa, com cerca de 30 anos de carreira, é baterista e percussionista de craveira. Filho do músico Hortêncio Langa e irmão da vocalista Xixel, com quem trabalhou na banda Tucan Tucan, na África do Sul, é uma instrumentista em constante evolução. Hélder Gonzaga, baixista de mão cheia, reinventa-se sempre em palco. Ele adora a vibração, até porque estudou performance.
Timóteo Cuche é um talento de saxofone, mas também é mestre em música, ramo de Etnomusicologia e estudos em música popular pela Universidade de Aveiro - Departamento de Comunicação e Artes. São todos muitos bons!
A verdade é que, mesmo para quem não gosta de música ao vivo, a experiência de contemplar os instrumentistas a reinventarem-se no palco é ímpar. A música feita com banda, repita-se, propõe aos ouvintes uma experiência sonora única. Fica-nos claro que é preciso potenciar esta prática. Ela representa uma atitude. E eles bem sabem ser ousados quanto misteriosos.
Outros elementos que tornam a o espetáculo Agora Somos Nós memorável e artisticamente conseguido é o figurino, as peças de teatro e as coreografias de dança do grupo Hodi. Tiria dado tudo certo, não fossem as mais de duas horas de concerto multidisciplinar, com uma narrativa dispersa. O grupo TP50 constituiu-se no início de 2007 pela união de músicos amadores e profissionais de Moçambique que partilham um interesse comum pela Bossa Nova.















