Encontrar-se é desvendar o Divino, e desvendar o Divino é desvendar a própria essência.

Entre as grutas e os solos sagrados, os templos e os ashrams, assim vivi um mês na Índia, imersa numa caravana espiritual, rodeada de almas afins, que compreendem que a existência carece de sentido sem uma conexão espiritual. Naquele instante, eu ansiava por mais humildade, mergulhar na vida dos santos e visitar os lugares de iluminação. Não importa se alguma epifania se fez presente, pois a mente incessantemente narra, limitando-se a antagonismos e sensações de conforto e prazer. Logo compreendi que o primeiro desafio residia em estar plenamente presente em cada momento. Nos Himalaias, numa gruta de um yogi, nos foi ofertado um puja repleto de rituais e minúcias, com uma reverência e humildade que abriram as portas do meu coração. O Divino reside em nossos corações. Fechei os olhos e indaguei: "O que devo observar aqui?" A resposta veio de imediato, meu corpo adotou a postura correta de meditação e atenção plena, como uma ferramenta perfeita, elevando minha consciência. Fui tomado por uma intensa luz, já familiar a esse estado de presença, uma conexão pura, e as respostas foram se desvelando. Prossegui em oração, dedicando esse momento singular em união com o grupo, gerando um fenômeno de força magnética que emana de nossos corações. Conhecer-se é uma obrigação que não apenas facilita nossas vidas, mas também a daqueles que nos cercam. Conhecer-se é encarar os próprios demônios e batalhas internas, é ser forte e vulnerável simultaneamente.

Fui cativada por Anandamayi Ma, descrita como "A mais sublime flor a brotar do solo indiano", nascida no seio de uma família pobre e devota, de origem brâmane, no território então ocupado pela Índia britânica, hoje Bangladesh. Embora tenha frequentado a escola por apenas alguns anos e mal tenha sido alfabetizada, exibiu desde cedo uma sabedoria sutil e refinada, simultaneamente prática e metafísica. Seu caso se enquadra entre os raros exemplos da chamada "sabedoria infusa" pela teologia, onde mesmo sem ter sido instruída, já "nasceu sabendo" muitas coisas.

Nosso guia nos convidou a adentrar nos vórtices da divina mãe, uma oportunidade para reestabelecer nossas conexões com o Sagrado Feminino.

Ao adentrar o mausoléu de Anandamayi Ma, um arrepio delicado percorreu meu corpo, tão intensamente atraída que me vi imobilizada. Meus olhos se fixaram numa anciã que cuidadosamente polia o túmulo de mármore. Em meio àquela atmosfera, uma sensação de familiaridade profunda me envolveu; será que meu espírito recordava-se de outras vidas e lugares assim? Contemplei cada detalhe com uma entrega plena, deixando que cada elemento penetrasse minha essência: a foto dela, radiante como uma flor de Buda, o mármore reluzente, os instrumentos sagrados, inclusive um gong. Era como se aquele espaço me acolhesse, envolvida pela sacralidade divina e rara que ali pairava.

Embora já tivesse ouvido falar desta santa, foi apenas na Índia que pude sentir verdadeiramente sua energia. Visitamos sua casa, e todo o dia foi permeado por relatos de seus milagres e do amor que até hoje ela continua a emanar, pronta para acolher e oferecer seus dons.

Respirar sem pensar em Deus é um desperdício; apenas aos seres humanos foi concedido o poder de buscar e encontrar o Divino.

Com a beleza que a caracterizava na juventude, Anandamayi Ma evocou em mim a essência dos santos, a devoção e a fé que tanto eu procurava. Lá estava ela, diante de mim, oferecendo a oportunidade de contemplar o que verdadeiramente torna um ser santo e como nos situamos dentro da nossa espiritualidade moderna.

Me senti nos braços da mãe divina, como se jamais tivesse experimentado o conforto de deitar no colo materno, como se fosse a primeira vez que esse amor, um conforto morno, me envolvesse, como um banho de sol. Aprendi uma nova prece, para os momentos em que necessito da nutrição materna para meus projetos e para alimentar minha alma. Eu repito: "Mãe divina, vem a mim", eu me entrego em seus braços.

O vórtice da mãe divina me fascina; estando na Índia com essa intenção, me conectei com o Sagrado Feminino e a gentileza que ensina a coexistir com o estresse regulando os movimentos de extroversão, decisão e planejamento.

São qualidades que me orientam como uma bússola; onde estou rígida, preciso perdoar ou soltar.

A vida e energia dessa santa me acompanharam na volta para minha casa, nos meus retiros, no altar, no repertório de meditação e na minha prece. Pois tanta beleza e sutileza podem mover montanhas. Não vejo tanto poder no óbvio, mas sim em coisas sutis: numa arquitetura iluminada, nas borboletas, num traço, num gesto delicado.

Nosso guia proferiu: "Na Índia, você encontra o que está dentro de você." Assim, me envolvi com o universo feminino, adquirindo roupas que refletiam minha personalidade. À medida que me vestia como elas, as mulheres indianas não hesitavam em expressar elogios, solicitando fotos. Testemunhei um profundo amor entre elas, dedicação à família, um brilho de amor nos olhos e uma fraternidade palpável. Ríamos juntas, nos abraçávamos como se já nos conhecêssemos há tempos. Havia algo especial, uma atmosfera de relaxamento e cumplicidade. Essa experiência de contato e aproximação espelhou o quanto aprecio estar entre mulheres. Observar a interação delas me fez refletir sobre como nosso planeta seria diferente se fosse governado por mulheres. Elas não dariam origem a guerras, pois não suportariam a ideia de perder seus filhos para o conflito.

Pausa…

Quando Ramana Maharshi se aproximava do crepúsculo de sua vida terrena (1879-1950), um dos pavões do ashram alçou voo para o telhado acima de sua cama, produzindo um estrondo reverberante. Ao ouvir isso, Ramana indagou: "Alguém já alimentou ao pavão?", antes de exalar seu ultimo suspiro.

Enquanto perambulava pelo Ashram na companhia de dois pavões, que circulavam entre as pessoas, eu sequer estava ciente das últimas palavras de Ramana Maharishi. Segui os passos do guia que nos conduziu à casinha onde Ramana viveu, espreitei pela janela de seu aposento, porém, o que verdadeiramente me impressionou foi a majestosa árvore que zela por aquele recanto.

Cavernas, rituais, a desoladora hospedagem em meu modesto hotel... a questão persistia em minha mente: quem sou eu? Repetia-a como um mantra, sem sequer cogitar que encontraria a resposta. A própria indagação servia como facilitadora do meu estado de espírito, orientando meus passos. Do universo de Santa Anandamayi Ma para ( "quem sou eu")o conhecido mantra de Ramana Maharshi que privilégio esta oportunidade me proporcionava. Estaria eu dançando entre o pai e a mãe? Seria esta uma manifestação da minha psique?

Foi como se testemunhasse o casamento alquímico, a harmonia entre o yin e o yang, o animus e a anima, um encontro de conceitos sagrados. A presença desses santos acelerou minha compreensão do divino masculino e feminino. Na casa de Anandamayi Ma, experimentei o amor incondicional de uma mãe, enquanto no ashram de Ramana Maharshi, especialmente durante o solene ritual com os monges celebrando os dias festivos ao redor das cinzas, encontrei a presença do pai divino.

Dois seres iluminados com uma história fascinante, num tempo e espaço distantes dos nossos dias, assim eu continuava ascendendo pelo caminho da caverna de pedra, repetindo incessantemente o mantra "quem sou eu?".

Não compreendo completamente o que sou, mas percebendo o divino em mim; sou uma manifestação de Deus. A repetição desse mantra sempre me infunde poder na presença.

E a indagação persistia, inabalável, eis a força dos avatares que perduram eternamente para aqueles que se aproximam deles com humildade. Sim, eu sentia, sentia amor, a presença e muita reverência.

A existência e seus prodígios, o afastamento da rotina para meditar em grutas, foram catalisadores na minha ruptura com os padrões convencionais. Tenho uma paixão pelo autodesenvolvimento, pois o vejo como uma jornada de expansão pessoal. Encontrar meu ego durante minhas caminhadas é, por si só, um convite à reflexão profunda. Ao estudar e me espelhar em figuras veneráveis, vislumbro a oportunidade de aprimoramento íntimo.

O que verdadeiramente significa aprimorar-se e encontrar-se? É alcançar um estado de serenidade interna, onde a paz prevaleça sobre o tumulto. Imitar, talvez, seja construir um modelo de equilíbrio interior. Qual é a melhor representação de si mesmo? Para mim, é ser impulsionado pelo amor, irradiar amor e ser guiado pelo amor. À medida que o caos interno diminui, a harmonia externa se intensifica. Convido todos a pausarem e aguardarem o próximo ímpeto, convido-os a ouvirem suas almas.

Quem se junta a mim em uma jornada de peregrinação?

Entre sábios e sábias, guias e seguidores, a Índia me brindou com a dádiva de autocontemplação. Nem sempre percebemos ou escutamos; na correria do dia a dia, muitas vezes nos vemos presos em padrões que não nos enriquecem. Como parte da minha missão de facilitar o movimento e a reflexão pessoal, considero a jornada da alma uma dança constante. Sempre interrompo minha corrida frenética para registrar meu último sonho, ouvir a voz dessa dor corporal, respirar profundamente e refinar minha comunicação, direcionando meus pensamentos em busca de maior iluminação.

Em busca de uma compreensão mais profunda e clareza espiritual, a iluminação pode ser vista como a capacidade de perceber e ascender à luz, transcender as sombras ou mesmo atravessá-las para compreendê-las. No cerne dessa jornada está a eterna pergunta: "Quem sou eu?" É uma questão que nos leva a explorar nossa essência mais profunda, para além das identidades externas e das limitações do ego. A busca pela iluminação é, portanto, uma jornada de autorreflexão e autoconhecimento, onde buscamos descobrir nossa verdadeira natureza e conexão com o universo.