Gosto de processos de ruptura que provocam mudanças na minha forma de pensar; gosto de reconhecer algo que não faz mais sentido em mim e aprender algo novo; gosto de perceber uma nova perspectiva. Nem sempre esses processos são fáceis e tranquilos, mas normalmente eles sempre me dão muita satisfação quando terminam, quando é possível se afastar e enxergar com mais clareza o cenário e a experiência vivida. E esta satisfação me lembra o quanto gosto do movimento, o quanto a vida é feita de rupturas e o quanto é importante que elas sejam aceitas e façam parte da nossa compreensão de mundo.

Já vivi vários processos de ruptura, alguns inesperados e dolorosos, outros intencionais e incríveis. Tenho o enorme privilégio de poder contar com o apoio de pessoas em volta para o necessário acolhimento durante esses processos. Pais que podiam ficar com minhas filhas quando pequenas, além de companheiro e amigas que me apoiam. Essa rede de apoio é fundamental para muitos desses processos. Vou contar sobre um desses momentos que vivi a partir de uma proposta chamada Shamana. Trata-se de um processo proposto pela medicina ayurvédica, que, segundo a nutricionista Marise Berg, é uma desintoxicação que tem como objetivo a eliminação de biotoxinas, o reequilíbrio dos doshas e o fortalecimento do agni. Ele inclui um plano de alimentação que passa por uma monodieta; depois se ampliam os alimentos ingeridos e também prevê o uso de ervas e especiarias nas refeições e chás.

Algumas explicações breves de termos que usei acima, de uma leiga interessada. Doshas, no ayurveda, vem da raiz ‘dush’, que significa desequilíbrio ou impureza. Eles são responsáveis pelas funções fisiológicas do corpo, estão em movimento e estão sujeitos a fatores internos e externos a nós. O ideal é que eles estejam em harmonia, mas quando estão em desequilíbrio podemos adoecer. Dessa forma, na medicina ayurvédica, procura-se compreender os doshas que estão em desequilíbrio no corpo, com o objetivo de acalmar ou ativar cada um deles. São três os doshas: vata, pitta e kapha. Além de profissionais capacitados para isso, há vários questionários online que apontam os doshas mais ativos e característicos de cada pessoa. Sobre o agni, ele é a potência digestiva, que promove energia para o funcionamento do corpo e mente. Nossos hábitos, muitas vezes, sobrecarregam o sistema digestivo, que passa a funcionar de forma não eficiente, não fornecendo energia adequada para nossas tarefas.

No processo do shamana, procura-se ficar de 3 a 4 dias em monodieta, com uma quantidade restrita de alimentos, o que prepara o corpo para a próxima etapa, que é uma purgação ou limpeza do sistema digestivo para a reconstrução da microbiota, ou flora intestinal. Posso dizer que, apesar de todo apoio e informações que tive antes do processo, fiquei bastante apreensiva. Afinal, era a primeira vez que tinha essa experiência e não sabia como meu corpo reagiria. Cada etapa foi sendo construída, com muito apoio da minha nutricionista e com muito acolhimento. Isso é fundamental para momentos de ruptura, intencionais ou não. A tensão se o processo funcionaria comigo ou não, se poderia ter alguma complicação, ficar doente ou ter que procurar ajuda médica. Todos os fantasmas possíveis emergiram em diferentes momentos e formatos. Como parte do apoio, recebi propostas de meditação, práticas de respiração e yoga. Fortalecer a mente é outro fator importante para as rupturas intencionais. Nem sempre tudo isso é consciente, na verdade quase nunca é. Às vezes é possível enxergar melhor depois da experiência e às vezes isso acontece somente muito tempo depois.

Depois da purgação, a ideia é seguir uma dieta chamada antiama ou anti doenças, que permite e proíbe alguns alimentos, ainda visando o fortalecimento do agni. Nessa finalização do processo percebi mudanças e quebras importantes nas minhas perspectivas pessoais, percebi maior sensibilidade e força, além de mais foco no que me propunha fazer. Percebi também mais atenção na alimentação, na fome e saciedade, mais força e mais saúde. Tudo isso além da sensação de conseguir passar por um processo desafiante, com momentos de apreensão e incertezas, com impulsos abrandados e redirecionados, sono e lentidão em alguns momentos e necessidade de introspecção por alguns dias.

É importante dizer que, apesar de ser um processo que envolve a mudança alimentar por um período, ele atua em níveis profundos e pode permitir mudanças incríveis. Outro ponto importante é contar com o apoio de um profissional; não somente para a compreensão do processo, que é muito mais amplo do que as informações que podem ser encontradas na internet, mas principalmente para o apoio pessoal, já que a experiência pode ser bastante diferente para cada indivíduo.

Os processos intencionais e desejados de ruptura nos fortalecem, nos desafiam e dão uma sensação de estarmos surfando na onda do momento presente. Aceitando esses processos, aceita-se a vida, seus movimentos de avanço e de aprimoramento. Acredito também que processos como este nos fortalecem, promovem uma sensação de conquista e poder pessoal. Iniciar algo, manter o propósito e conquistar metas, independente do que se propõe. Acredito que isso nos auxilia nos momentos de ruptura que são inesperados e não desejados. Tudo isso ajuda na própria evolução, na busca de ser melhor, em uma vida incerta, desafiante e nem sempre justa. Termino com a definição de amor proposta por Bell Hooks em seu livro Tudo Sobre o Amor: trata-se da vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou o de outra pessoa. Processos de ruptura intencionais são uma forma de amor, de busca por crescimento. Desejo abertura para esses processos de ruptura e muito amor para você que está lendo essas breves reflexões.