A motivação deste artigo foi um post em rede social comentando que um jornal impresso de circulação nacional apresentava a seguinte manchete: Fiocruz investiga ação de antirretrovirais contra Covid-19. O comentário afirmava que havia nessa manchete um erro. Imaginei que fosse algum cientista apontando alguma inconsistência sobre a ação do antirretrovirais, mas verifiquei que não se tratava de comentário de um imunologista, mas de um guardião do idioma que alegava que a Fiocruz não investiga nada, pois quem investiga são os cientistas ou pesquisadores e que, portanto, a frase deveria ser corrigida para algo como Cientistas investigam ação de antirretrovirais contra Covid-19 ou Pesquisadores investigam antirretrovirais contra Covid-19. Evidentemente, nem gastei meu latim para contestar o comentário. Mas, ao fim e ao cabo, ele me foi útil porque me deu assunto para este artigo.

Em primeiro lugar, nem sempre devemos fazer a leitura literal de uma frase. Além disso, a situação comunicativa permite inferir informações não expressas. Quando se lê Aluga-se com o proprietário numa placa afixada num imóvel, nosso conhecimento de mundo permite inferir que não se está alugando o imóvel com o proprietário dentro dele, mas que se aluga o imóvel e se deve tratar as condições da locação diretamente com o proprietário.

Em outros casos, usamos uma palavra para significar outra. Quando dizemos que Contra Fulano há inúmeras suspeitas de que seja um laranja, ninguém vai achar que Fulano seja um fruto cítrico da laranjeira, mas que se trata de alguém que atuava em nome de outrem para encobrir práticas financeiras ilegais, vale dizer, a palavra laranja está usada não em seu sentido original, mas em sentido figurado. A seguir, comento duas figuras de linguagem: a metáfora e a metonímia.

Metáfora

A metáfora é uma figura de linguagem que consiste em usar uma palavra no lugar de outra. Mas por que, em certos casos, usamos uma palavra no lugar de outra? São várias as razões. Na literatura, isso é feito com preocupações estéticas, ou seja, a fim de tornar a mensagem mais original, mais expressiva, explorando o lado sensível da linguagem. Uma outra razão é que existem mais coisas no mundo do que palavras. Se cada palavra se referisse a uma única coisa, teríamos tantas palavras que a comunicação humana se tornaria muito complicada.

Uma mesma palavra serve para nomear coisas completamente diferentes. Tomemos como exemplo a palavra banco. Podemos usá-la para designar um lugar para sentar-se ou um estabelecimento financeiro. Pense na palavra cabeça e veja quantas coisas diferentes ela pode designar. Se uma mesma palavra pode designar coisas completamente distintas, como saber qual o sentido dela? O leitor e a leitora já sabem a resposta: pelo contexto, ou seja, pela situação concreta de uso. Ao ouvir alguém dizer que foi ao banco pagar um boleto, não temos a mínima dúvida em saber que banco, nesse contexto de fala, significa um estabelecimento financeiro e não um lugar destinado para sentar.

Quando surge uma coisa nova, podemos criar uma palavra igualmente nova para nomeá-la, ou aproveitar uma que já existe na língua e passar a usá-la para designar a coisa nova. O que vai acontecer? A palavra já existente adquirirá um novo sentido.

Num passado não muito distante, as cidades brasileiras foram inundadas por um tipo de cabine de telefones públicos. O povo, em vez de criar uma palavra nova para designar essas cabines, preferiu usar uma palavra já existente e, valendo-se da criatividade, as chamou de orelhão, porque pareciam pela sua forma a uma grande orelha. O nome pegou.

No exemplo citado, a criação da palavra nova se deu por uma relação de semelhança: há na cabine telefônica algo que parece com uma grande orelha. Uma palavra que designa uma coisa passou a designar outra por uma relação de semelhança. Isso é uma figura de linguagem chamada metáfora. O exemplo que usei mostra que a metáfora não é uma figura exclusiva da linguagem literária. A linguagem do dia a dia está repleta de metáforas. A metáfora é, pois, uma comparação implícita, isso é, sem conectivo comparativo (como e assemelhados) ou formas verbais como parece, assemelha-se etc. como em Meu pensamento é um rio subterrâneo (Fernando Pessoa) e Nuvem, caravela branca / No azul do meio-dia. (Cecília Meireles), em que as metáforas estão destacadas.

Quando o termo comparado e o termo comparante aparecem explícitos como nos dois exemplos acima, temos metáfora in praesentia. Quando só o comparante aparece, temos metáfora in absentia, ou metáfora pura, como em O relacionamento deixou uma cicatriz profunda e nesses versos de Manuel Bandeira: “Quando a Indesejada das gentes chegar, em que também destaco as metáforas.

As metáforas costumam ser expressas por substantivos como nos exemplos apresentados, mas podem ser expressas também por adjetivos (dias apocalípticos), verbos (a tarde sangrava) e advérbios (chorava amargamente).

Metonímia

Outra figura que merece destaque é a metonímia. Como na metáfora, uma palavra que designa uma coisa passa a designar outra. No caso da metonímia, a transposição de significado não é feita, como na metáfora, com base em traços de similaridade, mas por uma relação de contiguidade, isto é, de proximidade, de vizinhança, de implicação. Não há, portanto, na metonímia relação comparativa. Se usamos a palavra mão para designar homem, a relação não é comparativa, mas de contiguidade, no caso, de parte (mão) pelo todo (homem) como neste trecho da canção Viola enluarada, de Marcos e Paulo Sérgio Valle:

A mão que toca um violão
Se for preciso faz a guerra
Mata o mundo, fere a terra
A voz que canta uma canção
Se for preciso canta um hino

Nesses versos, mão e voz são metonímias na medida em que, por uma relação de contiguidade (parte pelo todo), substituem homem. É o homem que toca o violão, que faz a guerra, que mata o mundo, que fere a terra, que canta uma canção, que canta um hino se for preciso. Sempre que a transferência de significado se der por uma relação de contiguidade, teremos metonímia.

Voltemos à frase que serviu de mote para este artigo: Fiocruz investiga ação de antirretrovirais contra Covid-19. Como essa, é frequente que se encontrem diversas outras em que se usa o nome da instituição no lugar das pessoas que fazem parte da instituição como em USP cria respirador pulmonar de baixo custo e Hospital Albert Einstein cria exame de detecção da covid19 em larga escala.

Assim como não é a instituição Fiocruz que investiga, mas os pesquisadores da Fundação; não é a Universidade de São Paulo que criou o respirador, mas os pesquisadores ligados a ela. Do mesmo modo que não foi o Hospital Albert Einstein que criou o exame para detecção, mas os médicos e demais pesquisadores ligados ao Einstein.

Em todos esses exemplos, temos metonímias, na medida em que se utilizou o nome da instituição no lugar dos pesquisadores da instituição. Qualquer leitor minimamente letrado é capaz de estabelecer o sentido dessas frases e identificar a intenção de quem as redigiu. Portanto, a observação em que se aponta erro na frase postada em rede social que tem por sujeito Fiocruz não tem fundamento algum sob qualquer prisma que se a considere. Apontar “erro” nela revela um total desconhecimento de como a língua funciona.

Por fim, destaco que o importante não é saber o nome da figura, ou seja, se se trata de metáfora ou metonímia, mas perceber que, em inúmeros casos, não se deve fazer uma leitura literal, ou para usar uma figura, ao pé da letra, já que palavras e expressões podem estar sendo empregadas em sentido figurado.