Há livros que passam sem trazer nenhuma mudança — a não ser o tempo que levamos tentando conhecê-los e logo em seguida abandoná-los. Porém, existem outros que nos envolvem de tal maneira que nos perdemos no enredo e nos encontramos nos próprios personagens, e foi mais ou menos assim que aconteceu com o livro: Gostaria que você estivesse aqui, de Fernando Scheller.

Eu não tinha nem ouvido falar de Fernando Scheller quando tive a obra em mão graças a um clube de assinatura de livros. Logo, havia duas causas para a minha curiosidade: o autor desconhecido e o título intrigante.

Iniciei a leitura e confesso que não foi amor à primeira lida — abandonei nem pela falta de interesse, mas sim pelo excesso de desorganização da vida. Eu precisava pausar de verdade para contemplar aquela obra.

Fiquei de verdade interessada pelo contexto: Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS), anos 1980, e o cenário no Rio de Janeiro, o que de certa forma me aproxima, mesmo eu ainda não tendo pisado lá.

Os nomes dos personagens são à primeira vista engraçados: nome de santo, nomes importados, nome de imperador romano e outro super brasileirado: Rosalvo.

Fique tranquilo: não vou dar spoiler.

Só vou dar algumas razões para iniciar a leitura, ou não.

Primeira razão: a Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS) no Brasil. Perdemos tantas pessoas conhecidas no mundo da música, mas acompanhar o sofrimento e a angústia dos familiares e as pessoas portadores de HIV é algo totalmente diferente.

O mal silencioso com futuro certo — a morte sem cura naquele contexto — traz uma dor sufocante e incalculável para os personagens que também nos conquistam. Pensar que o desconhecido pode dar ainda mais medo por ao mesmo tempo que dá várias alternativas de causa e cura, pode ser também dizimador por ter um denominador comum: a morte.

Segunda razão: o drama dos personagens. Fernando consegue narrar a história na visão de cinco personagens cativantes, cada um à sua maneira. Os conflitos da Selma, mãe de César, por exemplo, uma moça rica da sociedade no Rio de Janeiro, também ganham nome e sentimento na narrativa pelas suas obrigações e como ela fez de tudo para não sair do seu controle — o que acabou saindo mesmo assim.

Manter as aparências custa nossa própria sanidade, que por vezes é colocada à prova pelas intempéries da vida. Somos empurrados ao chão com nossas crenças e valores, que nem sempre são nossos, mas de uma parcela mais abastada da sociedade, o que nos faz questionar o que vale a pena nessa passagem chamada vida.

Em contrapartida, a história de Selma cruza com a vida de Rosalvo, um senhor pragmático do interior de Minas sedento por vingar o assassinato do seu filho trans, Eloá. Nesse meio tempo,denuncia-se as guerras do tráfico nas favelas do RJ, a corrupção e oportunismos de comunidades religiosas, além de muitas mazelas humanas.

Terceira razão: a escrita de Scheller. Ao mesmo tempo que é uma escrita direta, tem espaço para a poesia para descrever os sentimentos mais profundos e humanos. Me vi chorando a perda de personagens noite adentro. Também reconheci questionamentos que eu mesma fiz nas discussões dos personagens, o que torna também a obra bem pertinente ao momento atual.

Eu não posso deixar de dizer o quanto essa obra foi impactante para mim. Me peguei na madrugada refletindo sobre o quão impotente ficamos em certas situações da vida — seja uma pandemia, a morte de um ente querido, o desemprego. São coisas que temos zero controle e a vida nos obriga a lidar de alguma maneira.

Os personagens da história lidaram com a bagagem que tinham: seja o dinheiro, seja a falta dele, os traumas de infância e falta de carinho dos pais, histórias paralelas que se tocavam na falta de alguém especial na vida deles. Eu senti que Gostaria que você estivesse aqui também fala da necessidade de palavras, de ações que fazem falta nesses momentos difíceis da vida.

Ainda que a Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS) tenha tratamento e agora as pessoas tenham qualidade de vida, por vezes nos encontramos no mesmo obscurantismo de antes, onde os mais ricos conseguem ter algum conforto e tratamento, enquanto disputas políticas e oportunistas seguem blindando a visão da população mais sofrida. Esclarecimento promove uma vida mais leve, mais aberta ao novo e o diferente, e até caminho para lidar com as avalanches da passagem.

Recomendo muito que leia e compartilhe o que você sentiu comigo. Boa leitura!