Sentir-se infeliz, deprimido, não saber o que fazer ou como suportar o cotidiano são vivências constantes na vida do ser humano quando ele não se aceita enquanto resultado de possibilidades e impossibilidades.

Estar no mundo com os outros decorre de configurações culturais, sociais, econômicas e familiares. Essa é a base na qual tudo se constrói. São estruturadas satisfações, insatisfações, adaptações, desadaptações, e também revoltas e desajustes. Ao enfrentar o que frustra se consegue mudança. Quando o indivíduo coloca de lado o desagradável, o que o frustra, e se dedica à realização do que lhe falta, do que deseja, ele começa também a debruçar-se sobre o abismo que é a falta de saída, a ausência de salvação, a tentativa de salto que o levaria a outras paragens, a outras paisagens. É a não aceitação de limites criando soluções mágicas, que também criam mágoas, ressentimentos, medos e insatisfações. Todo esse processo é patrocinado e dirigido pela própria pessoa, colecionadora dessas vivências, desses desejos irrealizados e batalhados. É o desajuste, é o problema, é o desespero, o medo, o tédio, variando segundo a persistência de impossibilidades e dificuldades. Nesse ponto o problema é instalado: pânicos, fobias, desajustes, anti sociabilidade, tanto quanto passividade, excesso de sociabilidade pela necessidade de se exibir e de ocupar lugar no espaço, ou de checar o limite dos desejos. Isso é, em linhas gerais, como os ajustes ou desajustes humanos levam ao que se convencionou chamar de neurose.

Nesse panorama, buscar ou propor psicoterapias é buscar solução para os problemas, para os delírios da depressão, violência e medo, enfim, desajustes do indivíduo com ele próprio, sua família, sua sociedade, seu mundo.

Infelizmente, é comum se dizer que o processo terapêutico propõe e deve conseguir o fortalecimento do ego, fazer com que os indivíduos desajustados confiem, acreditem mais em si próprios, se percebam como capazes de vida, de ter prazer e alegria. Essa é uma proposta enganosa, uma visão mágica. Fortalecer o ego é fortalecer todo o aprisionamento às contingências, aos limites, desde que o ego, o eu, é um referencial, um posicionamento, um resumo congelado de possibilidades e de necessidades. É um arquivo, e assim a perceção do eu é sempre feita no referencial passado, no contexto de memória, e consequentemente fortalecer o ego é negar o presente, é viver no passado ou no futuro em busca de metas ou objetivos. Nesse sentido, o fortalecimento do ego é também fortalecedor do autorreferenciamento, do isolamento, da impossibilidade de se relacionar com o que está diante de si, desde quando se busca realizar desejos frustrados e se aspira realização de sonhos.

O ego, o eu é um arquivo que precisa ser questionado, atualizado, pois ele é responsável por posicionamentos, regras e a priori. Tudo passa pela chancela do ego, do eu, criando fronteiras, muros e separações. Assim, as possibilidades de relacionamento são limitadas pelos referenciais do ego, do eu, das necessidades, e esses são os mapas orientadores do comportamento.

Na massificação, na sobrevivência, na miséria que assola um terço do planeta, o que ocorre com o ser? As possibilidades de relacionamento estão reduzidas à busca de comida, por exemplo. Essa meta passa a ser o estruturante identificador do ser. Comer é ser. Os viciados posicionados na droga, no sexo, na comida, no trabalho, reduzem possibilidades de relacionamento, ancoram o ser. Não há transformação, pois a possibilidade de relacionamento permanece imutável, fixada em seus desejos. Esses exemplos radicalizados estão sendo postos para enfatizar que o ser, a possibilidade de relacionamento como essência humana é a própria condição, aptidão humana. O drama humano começa quando as possibilidades de relacionamento ficam restritas, limitadas à sobrevivência. A fome, a opressão, a violência, enfim as mais diversas formas de escravidão, reduzem as possibilidades de relacionamento, empobrecem o ser.

Os tratamentos psicoterápicos devem visar transformação. Para que isso ocorra é necessário questionamentos aos fatores limitantes, a tudo que posiciona. A psicoterapia deve questionar a primazia e superioridade atuante do ego, do eu - arquivo de medos, papeis, habilidades e inabilidades. Isso é o que deve ser questionado, transformado, pois os processos responsáveis pela estrutura da identidade são ampliação dos posicionamentos do ego, do eu.

O processo de identificação com o ego, o eu, e todo seu contexto sociocultural nos transforma em representantes de ordens constituídas. Nos sentimos aceitos, válidos, bons, ou nos sentimos desconsiderados, desprezados, ruins. Contextualizar-se nesse processo valorativo de identificação constitui um empobrecimento do ser. Sua vivência sempre cria demandas psicoterápicas, visto que, nesse contexto, as possibilidades de relacionamentos são transformadas em necessidades de manter os relacionamentos, de sobreviver.

Abrir mão de desejos, de pontos de refúgio e apoio, questionar propósitos, é o que permite mudar, transformar, sair do estado de indivíduo fracassado, abandonado, passando a realizar mudanças para estar no mundo com o outro diante de turbilhões ou paradisíacas paisagens. É assim que se estrutura aceitação do que existe, responsável pela aceitação de limites e amplidões.