Há algumas semanas, eu estava conversando com a minha irmã, e ela me relatou o progresso do meu sobrinho de 5 anos na escola. Eles moram nos Estados Unidos, e por lá as crianças têm aulas de ciências no jardim de infância. Segundo ela, o pequeno Artur (nome fictício), tem tido problemas para “pegar no sono” pois sua cabeça anda cheia de ideias e pensamentos complexos.
Com seu pijama de bichinhos, ele vai para a sua cama e, abraçando sua mãe para desejar boa noite, lança a seguinte pergunta:
-Mommy, qual é o número que começa e qual é o número que acaba o tempo?
Supresa, minha irmã disse:
-Não tem um número de começo e um número de fim, o tempo é infinito.
O pequeno, então disse:
-O tempo acaba no 100, e começa tudo de novo (rs).
Este é um exemplo dentre vários, de perguntas curiosas feitas por crianças para os adultos. Isso é totalmente natural, principalmente quando os pequenos ingressam na escola, e passam a aprender coisas novas e como o mundo funciona ao seu redor. O jardim de infância, etapa escolar que se encontra o meu sobrinho, tem o objetivo de introduzir a criança os conceitos acadêmicos em um ambiente de apoio. Esta etapa envolve um currículo mais estruturado do que a pré-escola, incluindo o desenvolvimento (das habilidades de leitura, escrita e matemática e) do pensamento científico.
O pensamento científico é uma forma de conhecimento que envolve fazer questionamentos e levantar hipóteses acerca de um problema ou uma pergunta, na busca por uma resolução. Evidências sugerem que há um desenvolvimento importante do pensamento científico em crianças do jardim de infância, fazendo com que o ensino de ciências seja viável nesta etapa da educação infantil. O estudo foi publicado na revista Elsevier1, e examinou a variação do pensamento científico em crianças do jardim de infância de escolas na Holanda.
As crianças foram testadas três vezes, e tinham entre 4 e 5 anos de idade. Dentre os pontos analisados estavam: desenvolvimento de experimentos; avaliação de evidências e domínio do conhecimento científico. As crianças mostraram números bastante expressivos em todos os quesitos, com destaque para a experimentação (em que obtiveram uma melhora significativa quatro meses e meio após o estudo). Esta pesquisa nos faz refletir acerca da importância do ensino de ciências já na primeira etapa da educação escolar, e de que forma as crianças (quando estimuladas) desenvolvem conhecimentos e habilidades de raciocínio científico, tão importantes para a resolução de problemas enfrentados pela sociedade.
Crianças pequenas são bastante concretas, por isso uma dica para despertar perguntas curiosas é a de levá-las a ambientes em que possam usar os sentidos (observando, ouvindo, sentindo e saboreando) de maneira mais intensa e significativa como: criar uma horta, conhecer diferentes espécies de animais, visitar um planetário, desenvolver o hábito de frequentar bibliotecas, apreciar musicais e peças de teatro etc. Estas atividades não devem ser somente papel da escola, mas uma extensão do lar. Ao invés de dar celulares na tenra idade aos pequenos (que vibram com as cores e imagens das telas, de maneira quase que hipnótica), os pais deveriam passar mais tempo junto aos filhos aprendendo e se divertindo juntos.
As atividades propostas acima têm sido experienciadas por meus sobrinhos (que tem 8 e 5 anos de idade). Eles não possuem celular, e só tem acesso ao computador em algumas tarefas na escola. Em uma das aulas de ciências, por exemplo, meu sobrinho aprendeu a fazer um vulcão. Com apenas cinco anos ele tentou reproduzir o experimento na garagem de casa, portanto óculos e luvas especiais. Ele repetia em alto e bom som que era um cientista, e que iria ensinar ciência para outras crianças.
É importante salientar que o ensino de ciências nesta etapa escolar apresenta um caráter lúdico, voltado ao pensamento concreto infantil. Na medida em que a criança amadurece em seu desenvolvimento, outras habilidades do pensamento científico são propostas nas aulas. Além de observar e fazer perguntas, o aluno também aprende a testar ideias, documentar dados e apresentar resultados.
Alfabetização científica
Em uma publicação feita pelo Southeastern Oklahoma State University2, o astrofísico e escritor americano Neil deGrasse Tyson (apresentador da série científica Cosmos) ressalta que a alfabetização científica está intimamente ligada à como o cérebro pensa e está conectado quando problematiza uma questão. Segundo o professor, alfabetizar cientificamente tem a ver com fazer perguntas, sendo que o pensamento crítico não pode ser ensinado, mas praticado. Assim, não adianta a escola ter um currículo com “boas intenções”, se não houver uma aprendizagem baseada em problemas.
Uma escola3 que adota o estilo de aprendizagem baseada em problemas, propõe à turma que busquem soluções para um problema da vida real. Os alunos passam a formular hipóteses mediante recursos como: brainstorming, pesquisas em fontes da Internet, entrevistas com especialistas e/ou conhecimentos obtidos nas aulas. O objetivo é encontrar uma solução viável para um problema, sem se preocupar em “qual é a resposta certa”. O que vale neste estilo de aprendizagem é incentivar o aluno a pensar criticamente.
É importante ressaltar que uma aprendizagem baseada em problemas não se aplica somente à disciplina de ciências, mas deve perpassar todo o currículo escolar. Nesta proposta, os alunos trabalham com questões abertas, e são estimulados a trabalhar em grupo a fim de desenvolver habilidades de comunicação e resolução de problemas.
Em sala de aula com crianças, a aprendizagem baseada em problemas pode promover a curiosidade, a iniciativa em fazer perguntas, a pensar “fora da caixa”, a preparar as crianças para situações complexas no futuro, a se sentirem motivadas a cada solução encontrada.
Minha sobrinha experienciou esta proposta de aprendizagem durante suas aulas de escotismo. A turma teve que se dividir em duplas para vender biscoitos, e arrecadar dinheiro para passar o dia em um parque aquático. Falando assim parece fácil, mas não foi. O grupo teve que elaborar um plano a fim de definir como venderiam os biscoitos, bem como formas de divulgar o produto nas mídias sociais. Na medida em que arrecadavam os valores, a dupla tinha que “prestar contas”, registrando os rendimentos em uma folha de flipchart. O desafio foi cumprido, toda a turma se divertiu, e fez registros engraçados no parque!
É possível constatar a importância que os espaços de aprendizagem têm para despertar na criança a curiosidade e o desejo em fazer perguntas. Por esse motivo, tanto o tipo de pergunta, como os ambientes em que a criança convive, são de grande valia para compreender como ela pensa e como processa o mundo no qual faz parte.
Por dentro do cérebro de uma criança curiosa
Fazer perguntas faz parte da necessidade da criança em saber as coisas e compreender os fatos. Elas geralmente comparam o novo conhecimento com algo que já vivenciaram (conhecimentos prévios). São exímias em contar estórias, construindo suas próprias narrativas a fim de dar sentido ao que aprenderam. O hábito de fazer perguntas tem um caráter didático, pois o questionamento é a “porta de entrada” para que se desenvolvam os conhecimentos científicos. Quanto mais complexas forem as perguntas, maiores serão as estratégias de pesquisa utilizadas para responder o problema.
Um estudo desenvolvido por pesquisadores da Noruega4 verificou que crianças em idade pré-escolar tendem a aumentar o número de perguntas que fazem, quando tem a oportunidade de examinar na prática o conteúdo (de ciências) que estão aprendendo. Foi constatado, que as crianças aprendem mais e melhor quando estão em um ambiente “vivo” de aprendizagem; por exemplo aprender sobre “elementos da natureza” em um ambiente natural ao ar livre. No entanto, levar as crianças para um ambiente rico não é suficiente, se elas não forem orientadas e estimuladas (pelo professor) em suas explorações. Além disso, ter familiaridade com o assunto, auxilia no interesse das crianças em fazer mais perguntas.
Os tipos de questões feitas por crianças variam bastante conforme a faixa etária. Quando muito pequenas (2-4 anos de idade), elas tendem a perguntar mais sobre fatos (por que o céu é azul? O que é isso?) em busca de informações. Já quando maiores, elas preferem se envolver mais com questões explicativas, que requerem uma explanação mais conceitualizada sobre os fatos (como as borboletas “falam” umas com as outras?). Isso ocorre porque na medida em que crescem, as crianças aumentam suas habilidades em fazer perguntas.
A chave para o desenvolvimento de um cérebro curioso está na forma em como o adulto lida com a pergunta feita pela criança. Prolongar a explicação (tendo um diálogo aberto) acerca de determinado assunto, ajuda na reflexão e abre o debate para outros subtemas. Posto isto, um cérebro curioso envolve mudanças nos circuitos neurais que ajudam a reter e manter informações quando se aprende algo.
De acordo com este artigo5, quando uma pessoa sente curiosidade sobre um assunto, áreas envolvidas no sistema de prazer e recompensa são ativadas. O hipocampo, parte do cérebro envolvido na criação de memórias, também tem um aumento de atividade. O editorial também destaca que o cérebro curioso é capaz não só de aprender melhor sobre temas de interesse, como também tem uma maior capacidade de reter informações sobre conteúdos que não lhe despertam a atenção.
Mas o início de tudo isso pode estar ainda na fase pré-verbal, é o que revela um estudo6 publicado na revista Johns Hopkins University (JHU). O estudo aponta que, bebês que demonstraram mais entusiasmo durante truques de mágica, se tornaram crianças mais curiosas. Isso sugere que o nível de interesse do bebê permanece constante ao longo do tempo.
Pesquisadoras da JNU ainda ressaltam que os pré-verbais apresentam mais fascínio por cenas e objetos que aparecem de forma inesperada, em caráter de surpresa. Eles ficam curiosos com o que está por vir. Para comprovar esta hipótese, foi feito um experimento com 65 bebês, em que um grupo via um brinquedo que funcionava de forma convencional, enquanto o outro grupo via o mesmo brinquedo passando por meio de uma parede. Quando as crianças completaram três anos, os pais responderam um questionário que comprovou que os bebês que olhavam por mais tempo o brinquedo com o elemento surpresa, foram considerados os mais curiosos em busca de pedir informações e resolver problemas.
A conclusão do laboratório foi a de que esses eventos mágicos que desafiam as expectativas são oportunidades de aprendizado para bebês. Assim, também concluo este artigo sugerindo a pais, professores e cuidadores que ao planejar alguma atividade para os pequenos, tenha sempre (que possível) dois elementos principais, cruciais para despertar a curiosidade e desenvolver o pensamento científico: surpresa e desafio. E é exatamente isso que está por trás do cérebro de uma criança curiosa!
“Para o alto, e avante!”
Notas:
1 Elsevier.
2 Why Cultivate Scientific Thinking in Children?
3 What Is Problem-Based Learning?
4 Young children’s questions about science topics when situated in a natural outdoor environment: a qualitative study from kindergarten and primary school.
5 What's Going on Inside the Brain Of A Curious Child?.
6 Study: The most curious babies become the most curious toddlers.