Explorando a relação entre a incapacidade de identificar emoções e a psicopatia

Se a psicopatia fosse apenas aquilo que Hollywood nos mostra, todos os psicopatas seriam assassinos em série com um sorriso sinistro e um plano mestre. Mas a realidade é muito mais complexa. Será que já nascem assim? É uma questão de traumas de infância? E qual é o papel da alexitimia em tudo isto?

A primeira vez que ouvi o termo "alexitimia" foi através da minha parceira, que é veterinária. Ela explicava como esta condição poderia estar relacionada com comportamentos agressivos em cães. A alexitimia é a dificuldade em identificar e expressar emoções. Estima-se que 10% da população mundial1 a tenha e, embora alguns psicopatas possam ser alexitímicos, nem todos o são.

Na verdade, investigações sugerem que até 50% das pessoas com autismo também apresentam alexitimia, mas com uma diferença crucial: enquanto na psicopatia a desconexão emocional pode ser usada para manipular, no autismo é muitas vezes uma barreira frustrante para estabelecer ligações com os outros. Portanto, os psicopatas não são emocionalmente "cegos", mas processam as emoções de maneira diferente. Conseguem reconhecê-las nos outros, mas não as sentem com a mesma intensidade. E isso torna-os incrivelmente eficazes a manipular sem remorsos.

Nascem ou tornam-se? O cérebro do psicopata

A investigação em neuroimagem revelou diferenças estruturais e funcionais no cérebro dos psicopatas, particularmente na amígdala (associada ao processamento de emoções como o medo) e no córtex pré-frontal (responsável pelo controlo dos impulsos e pela tomada de decisões).

Um estudo publicado na Molecular Psychiatry encontrou uma redução do volume da amígdala em indivíduos com traços psicopáticos, o que sugere uma menor capacidade para experienciar medo e empatia.

  • Amígdala mais pequena: menor resposta ao medo e às emoções.

  • Córtex pré-frontal alterado: menor controlo dos impulsos e da capacidade de planejamento.

Mas atenção, não é apenas uma questão biológica. O ambiente também tem um grande impacto. Um lar disfuncional, abuso ou negligência na infância podem potenciar tendências psicopáticas. Não há uma fórmula exata, mas sim uma combinação de fatores que influenciam.

Embora a psicopatia seja um perfil clínico e neurobiológico bem documentado, o seu diagnóstico e a interpretação dos seus traços podem variar consoante o contexto cultural e os critérios clínicos aplicados.

Evolução histórica na identificação do transtorno

No século XIX, o psiquiatra francês Philippe Pinel descreveu indivíduos com comportamentos antissociais e falta de empatia, a quem chamou "insanos morais". No entanto, foi o psicólogo canadiano Robert Hare quem desenvolveu a ferramenta mais utilizada para avaliar a psicopatia: a Escala de Avaliação da Psicopatia Revisada (PCL-R)2. Esta escala, baseada numa entrevista semiestruturada e na análise de registos históricos, avalia uma série de traços de personalidade e comportamentos associados à psicopatia, como a falta de empatia, a manipulação, a impulsividade e o estilo de vida antissocial.

Como se avalia a psicopatia?

Além da Escala de Hare, outro teste psicológico famoso que tem sido usado em estudos sobre psicopatia é o Teste de Rorschach — sim, aquele das manchas de tinta em que se tem de dizer o que se vê. Embora o seu uso seja hoje mais debatido, durante décadas ajudou a analisar a percepção e como uma pessoa processa a realidade.

Porque é relevante?

As pessoas com traços psicopáticos tendem a processar as emoções e os estímulos visuais de forma diferente. Em estudos, algumas mostraram respostas atípicas ou frias perante imagens emocionalmente intensas, reforçando a ideia de que o seu processamento emocional é distinto.

Portanto, apesar de não existir um teste "definitivo" para diagnosticar a psicopatia, ferramentas como a Escala de Hare e o Teste de Rorschach ajudam a ciência a compreender melhor como funciona a mente daqueles que parecem viver sem empatia.

Os videojogos violentos criam psicopatas?

Durante anos, os videojogos violentos foram o bode expiatório perfeito para culpar a violência na sociedade. Mas jogar GTA ou Call of Duty torna alguém um perigo para a humanidade? A ciência diz que não.

Algumas investigações sugerem que jogar videojogos violentos pode aumentar a agressividade a curto prazo. Ou seja, pode ser que, depois de uma sessão intensa, te sintas mais frustrado ou reativo. Mas este efeito é passageiro e não é exclusivo dos videojogos. A vida real também nos irrita: o trânsito, as filas intermináveis e as mensagens deixadas "em visto" fazem mais pela nossa raiva do que qualquer partida de Fortnite.

O que realmente influencia a violência?

  • Crescer num ambiente violento.

  • Ter sofrido abuso ou negligência na infância.

  • Ter perturbações psicológicas não tratadas.

Os videojogos, pelo contrário, são apenas uma forma de entretenimento (e para muitos, uma forma de escape). A maioria dos jogadores não se torna violenta nem comete crimes. Na verdade, estudos sugerem que os videojogos podem até melhorar habilidades cognitivas, a tomada de decisões e a coordenação.

Portanto, Resident Evil não cria psicopatas. Se queremos entender a violência, temos de olhar para além dos ecrãs.

Ver documentários e séries de crimes para relaxar é sinal de psicopatia?

Se a tua ideia de uma noite perfeita é ver Mindhunter ou um documentário sobre assassinos em série com uma taça de pipocas, relaxa: isso não significa que és um psicopata.

As investigações sugerem que a fascinação pelo crime real está mais ligada a uma tentativa de controlo e compreensão sobre aquilo que nos assusta, do que a tendências psicopáticas. No entanto, algumas pessoas com traços psicopáticos podem consumir este tipo de conteúdo com total desconexão emocional.

Tens traços psicopáticos?

Se ficaste com dúvidas, podes fazer um teste baseado na Escala de Hare3. Felizmente, eu fiz e não sou psicopata.

Se quiseres conhecer uma história real de alguém diagnosticado com psicopatia, recomendo a entrevista com M.E. Thomas, autora do livro Confissões de uma Psicopata. Vais ficar surpreendido com a sua perspectiva sobre a vida e as relações.

1 Esta es la incapacidad emocional que afecta al 10% de la población del mundo.
2 PCL-R (Escala de Verificación de Psicopatía).
3 Test Online de Psicopatía (basado en la Escala de Hare).
4 'Sou psicopata e quero que a sociedade entenda e acolha meu transtorno'.