Por que Oppenheimer será considerado no futuro um dos filmes mais importantes da história do cinema? Alguns filmes, de tempos em tempos, me provocam e me chacoalham. Foi o que aconteceu com Oppenheimer. Parece algo perturbador, mas preciso lhes dizer que é bom, é muito bom mesmo. O cinema, de certa forma, ficou banalizado. Poucos são os filmes que tem algo a provocar, a tocar. Eu diria até que a televisão (o streaming na verdade) hoje possui muito mais arrojo e criatividade, do que o cinema tradicional. A forma, a tecnologia evoluíram consideravelmente, mas o conteúdo não acompanhou. Comecei a me apaixonar por cinema nas salas de cinema, mas cresci com a revolução tecnológica do “home vídeo”. Lá se vão uns quarenta anos talvez ou mais, quando os filmes invadiram os lares em cassetes VHS. Eu lia que “no futuro” não precisaríamos comprar um disco para ouvir uma música. Esta poderia ser ouvida instantaneamente através de um computador ligado a uma rede. Os filmes também seriam comprados na própria televisão, e exibidos independentemente das redes de TV.

O mundo digital mudou completamente a forma de ver e de se fazer filmes. Os meios deixaram de ser um empecilho. Os equipamentos tornaram-se mais acessíveis, o custo da película deixou de ser um peso nos orçamentos de criadores independentes. A distribuição ganhou um meio: a internet. O cinema sofreu uma revolução estrutural nos últimos 20 anos tão importante quanto o advento do som ou da cor nos filmes. Esperávamos um experimentalismo e um frescor maior dessa geração de realizadores. Mas o que Oppenheimer tem a ver com isto tudo? A revolução também tem seu lado negativo. Hoje há uma banalização do produto cinematográfico. A revolução moveu-se em passos diferentes no tocante a conteúdo, ideias, roteiros, estruturas dramáticas. Tem-se os meios, mas para quê? Criar mais do mesmo? Repetir fórmulas que garantam sucesso de bilheteria? Esse é o dilema do cinema hoje.

O realizador Christopher Nolan vem experimentando ao longo de sua carreira uma subversão da estrutura tradicional, e Oppenheimer não é diferente. É absolutamente inventivo em sua narrativa. Uma história em 3 atos não lineares, acontecendo em simultâneo. Parece loucura, mas é tão envolvente que nem mesmo as 3 horas de duração parecem acontecer. Nolan, como de costume, é um manipulador do tempo.

Oppenheimer recria um dos períodos mais importantes da história da ciência, a criação do mundo atômico, da política nuclear. Um momento grandioso da história, precisava de um filme igualmente grandioso. Mas este é sobretudo um filme intimista, em que a ciência é o pano de fundo para os conflitos dos personagens. A forma de contar essa história começa com a escolha do formato IMAX, o que há de maior em tamanho e definição no universo da captação de imagens. E não há outra forma de fazê-lo e exibi-lo a não ser em película, em negativo, analogicamente, como no processo mais tradicional de cinema. É caro, muuuuuito caro, os equipamentos são grandes e pesados, e nem mesmo existe negativo em preto e branco neste formato. Ou melhor não existia, até este filme. E o resultado é de tirar o fôlego ao assistirmos a expressividade que Nolan tira dos rostos de 16 metros de altura na tela.

A fotografia tira total partido do formato, com o uso de lentes projetadas exclusivamente pela Panavision para atender as demandas do realizador e do diretor de fotografia Hoyte van Hoytema. São planos tão próximos que quase tocam os atores, e nos colocam dentro deles.

O som é um capítulo à parte. Oppenheimer é um filme basicamente de diálogos, de atuações, sequências de muito texto, tribunais, inquéritos, mas o som e a trilha sonora do jovem compositor Ludwig Göransson imprimem um ritmo (com a edição) perturbador, quase sufocante, em contraponto aos silêncios magistralmente pontuados de algumas sequências.

As atuações em Oppenheimer estão além do estupendo, e torna difícil destacar quem está melhor. É claro o Cillian Murphy no papel do Oppenheimer, e o Robert Downey Jr. como Lewis Strauss, seu antagonista, são composições que beiram o surreal, que revelam as perturbações e conflitos atômicos de seus personagens, com o perdão do trocadilho. São conflituosos e de uma tensão sufocante, sempre a ponto de explodirem (já que me perdoaram pelo trocadilho anterior).

Um filme tecnicamente perfeito, arrojado, analógico, em que o Christopher Nolan uso e abusou de tudo o que o cinema possui de ferramentas para se contar uma história. É como se ele tivesse realizado todos os seus sonhos, como uma criança presa numa loja de doces. Imaginem poder escolher os atores e atrizes mais quentes do momento em Hollywood, no auge de sua forma, todos eles. Impecáveis! Junte a isso o melhor da tecnologia, com a indústria a criar e entregar-lhe todos os “brinquedos” de que ele necessitava. Mas acima de tudo, havia a sua genialidade ao conceber e estruturar uma história, um roteiro, e conjugar todos esses elementos que compõem a realização de um filme.

Oppenheimer será estudado por muitos anos como um triunfo da arte e da tecnologia cinematográfica, um filme que levou ao limite todos os aspectos da criação e exibição de cinema, que, de certa forma, vai no sentido contrário ao padrão da indústria de hoje, muito confortável com os meios digitais de produção, e distribuição através de streaming diretamente para os lares dos consumidores.

Oppenheimer te obriga a sair de casa e ir ao cinema, comprar ingresso e pipoca, sentar-se diante de uma tela do tamanho de um prédio, e a desfrutar uma obra de arte por três horas. É um filme importante para o momento em que vivemos, com uma mensagem forte sobre os limites do ser humano, sobre ética, sobre atos e consequências. Só consigo traçar um paralelo na história do cinema com o impacto de Cidadão Kane, do Orson Welles, em 1941, uma revolução temática, estética e tecnológica, que influenciou todas as gerações de realizadores a partir dali.

Terá Oppenheimer um poder de “destruição” do status quo semelhante ao de Cidadão Kane? Aposto que sim.