Desde que comecei a trabalhar com o ensino infantil, algo que me chama bastante atenção é a relação das crianças com seus pais. É bastante claro que durante a primeira infância, ao longo dos primeiros anos de vida, uma criança vê seus cuidadores como uma extensão de si. Aos recém-nascidos, que ainda não sabem que são seres próprios, os pais são sinônimo de nutrição, conforto e dependência. À medida que as crianças crescem, essa relação muda. O momento sobre o qual procuro refletir é quando as crianças começam a entender que seus pais são pessoas. Parece óbvio, mas não acredito que seja. Qualquer um que já presenciou o momento em que um pequeno aprende que “mãe” não é nome da mãe, e sim um título, sabe o quão curiosa é essa revelação.

Recentemente assisti Aftersun, o novo filme de Charlotte Wells, que me levou a refletir ainda mais sobre o assunto. O filme narra a história de uma viagem de férias entre um pai jovem, Calum (Paul Mescal), e sua filha de 11 anos, Sophie (Frankie Corio). Já adulta, Sophie assiste às filmagens que gravou ao longo da viagem. Aftersun deixa muito a ser interpretado, mas um ponto fica bastante claro: Colum estava passando por um momento extremamente difícil em sua vida, muito para além da compreensão de uma menina tão jovem.

O filme sugere que as férias na Turquia foram a última vez em que Sophie viu seu pai, que se suicidou logo depois. Ela reassiste e repensa sobre tudo, agora com o conhecimento de uma adulta, e provavelmente se questiona por não ter compreendido seu pai na época. Realmente, aos olhos de uma criança, podemos ver como foram férias simples e felizes. Colum, a seu ver, talvez fosse simples, também. Claro que não tem nada simples sobre um pai jovem, sobre divórcio, sobre problemas financeiros, sobre nada, nem ninguém. Mas aos 11 anos, não é possível entender isso.

Desliguei o filme com o coração apertado, tentando lembrar quando foi que eu comecei a entender o nome da minha mãe, as batalhas do meu pai, e que eles já eram pessoas complexas muito antes de eu nascer. Pensei sobre meus avós e sobre meus irmãos - será que eles já perderam o sono por causa disso? E quando eu tiver filhos, quando eu me apresento pra eles?

Talvez a maior frustração do filme é que, ao telespectador, é evidente que Colum não está bem. Para além do sul Turco e da alegria de Sophie, vemos inúmeras cenas com o sofrimento do pai. Obviamente, não seria justo cobrar de nenhuma criança essa mesma visão, mas me fez questionar as pessoas próximas a mim e o quanto nós realmente enxergamos uns aos outros ao longo de nossas vidas.

Aftersun, o nome do filme, é em inglês a loção pós-sol, que passamos para acalmar a pele após um dia longo de praia. As cenas em que Colum passa a loção na filha, e vice-versa, adquirem um significado diferente quando sabemos o final da história. Esse simples ato de cuidado passa a ser forte e especial - eu podia quase sentir o cheiro de praia ultrapassando a tela, lembrando do meu rosto vermelho e da ressaca pós-praiana tão frequente na minha própria infância.

Não tenho nenhuma resposta - nem para Sophie nem para mim mesma, mas aprecio as reflexões que o filme me trouxe. Por mais frustrante que seja pensar sobre uma versão mais inocente das nossas vidas, ou tentar entender as pessoas que nos rodeiam, acredito que nos torne mais sensíveis, e talvez mais capazes de entender sinais alheios quando algo não vai bem, e ajudar quando possível, como um pai cuidando do rosto queimado da filha.