Há de se considerar que as narrativas são feitas pelo imaginário. Por isso, todo imaginário vem inserido de perspectivas. Essas perspectivas transbordam em expectativas que geram novas narrativas. A cultura traz a dimensão entre os mistérios do mundo simbólico, ou seja, do que é ausente. E as narrativas culturais carregam frenéticas fontes de crenças e de costumes. Então, por que gostamos do lugar que nascemos?

Talvez Jean-Jacques Rousseau nos ajude dizendo que os costumes ficam gravados no coração. Nossa identificação é com nossas origens. Por sua vez, os escritores trazem um dos principais ingredientes da literatura que é a internalização de narrativas. Digamos que os nordestinos do Brasil carreguem seus costumes gravado no coração. Temos esta questão em várias obras da literatura como nos Sertões de Euclides da Cunha, O sertanejo de José de Alencar, Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre, Como Nasce uma Cabra da Peste de Mário Souto Maior, as obras de Luiz da Câmara Cascudo, Jorge Amado entre outros que fizeram e fazem o nordeste do Brasil em instigantes narrativas. O impressionante são as formas, a sutileza desenvolvida por esses escritores. Mas, há também várias versões que entre bocejos e contingências se transformam em sensacionais enredos criados pelos nordestinos. Entre possibilidades e limites, muitas histórias acontecem e aconteceram no nordeste do Brasil e algumas fincam em nossas memórias e no coração. Digamos que os nordestinos, essa mistura de audácia com desconfiança, envolvidos por várias etnias, trazem no seu matulão de talento a criatividade de mentes coletivas. Quando analisamos pela estética do litoral ao sertão, o nordestino é esse descuido alvoroçado do sol, entre a brisa do mar e caatinga sertaneja.

Tomamos como exemplo o cangaço, fenômeno social complexo marcado pelos códigos de honra e relações de poder. Para Frederico Pernambucano de Mello no livro Guerreiros do Sol, ele diz que “Em estudo de comparação entre as culturas dos dois grandes ciclos nordestinos, afirmou Câmara Cascudo que o ciclo da cana-de-açúcar não poderia ter produzido o cangaceiro. À parte algum exagero retórico que a assertiva parece conter, não resta dúvida de que o homem do cangaço disputa com o próprio vaqueiro a primazia no representar do modo mais completo o conjunto dos atributos e qualidades que caracterizam o homem do ciclo do gado...” Já o pesquisador Jorge Romero diz que "existe um transbordamento do imaginário sobre o sertão, hoje geograficamente demarcado pelo Polígono das Secas, que compreende os Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais. 'O tema está presente em nossa história desde a vinda dos colonizadores portugueses. Raimundo Faoro, em 'Os donos do poder', afirma que o sertão era então ‘outro mar ignoto’, outro espaço a se conhecer. Sérgio Buarque de Holanda destaca as estratégias distintas da colonização espanhola e da lusitana: a espanhola entrou terra adentro, devastando e povoando o interior; a portuguesa fortaleceu os domínios no litoral e conservou intacto o sertão, até as entradas dos bandeirantes atrás de metais e pedras preciosas.”

A caatinga, bioma exclusivo do sertão, foi e é, cenário de muitos acontecimentos no cangaço que reproduziu extraordinárias narrativas de conteúdo intrigante. Talvez os fatores de ordem subjetiva foram motivadores da opção dos sertanejos pelo banditismo como diz José Bezerra Lima Irmão em seu livro intitulado - Lampião a Raposa das Caatingas, onde cangaceiro era a profissão da moda. Essa ordem de fatores subjetivos, do simbólico, foi fundamental no favorecimento do aparecimento das narrativas da nordestinidade brasileira. As expressões são utilizadas como diz Jacob Bronowski pelo "prolongamento da referência que é uma parte da fala humana que tem conexão com a alta vantagem seletiva conferida pela previsão” Pois bem, a maioria das narrativas nordestina vem com prolongamento da referência. É o caso do Sinhô Pereira como afirma José Bezerra Lima lrmão, “Porém Sinhô Pereira, filho de uma das famílias mais respeitada do Pajeú, não foi propriamente um cangaceiro profissional no estilo de Lampião. Pode-se dizer que foi um “‘cangaceiro ético’.” Para tanto, os cangaceiros do bando de Lampião, eram identificados por apelidos de acordo com a contingência, um fato ocorrido ou com sua característica física. Os apelidos surgiram para referenciar famílias, profissão, natureza entre outras questões. O apelido é a maneira criativa da identidade. Só para lembrar o cangaceiro Caixa de fósforo tinha este apelido, dizem por beber muito e ter os olhos vermelhos, Jararaca era pela sua personalidade voraz e tinhosa. Alguns apelidos dos cangaceiros já desenvolvem em nosso imaginário várias narrativas, Quinta-feira, Alecrim, Moeda, vinte cinco, Chá preto, Cobra verde, Beija-flor, Fiapo, Criança, entre outros. É forte a aliança do nordestino com os sinais e os símbolos existentes na cultura com o seu cotidiano. O Cangaço trouxe e traz diversas versões, como exemplo temos a morte de Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião. Para tanto, o Cangaço deveria ser disciplina nos cursos de humanas mediante a riqueza de narrativas. O grande problema das narrativas está na sua finitude. Uma boa narrativa denunciará ambiguidades pelo simples fato de conservar o mistério e o sentido de futuro. O Cangaço é rico em narrativa permeado pela política, pelos coronéis, pelo volante, e pelo bando. Entre um Então, é proibido cochilar, pois as versões que dão vida as narrativas da nordestinidade Brasileira passeiam entre bocejos e contingências para reatualizar a história do cangaço.