Posso não concordar com uma única palavra do que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito de dizê-la.

Célebre frase atribuída, mas jamais escrita ou proferida pelo filósofo francês Voltaire, mas sim pela escritora Evelyn Beatrice Hall de seu pseudônimo S. G. Tallentyre, que a cunhou no seu livro “The friends of Voltaire”1 que, para mim, sintetiza o direito fundamental à liberdade de expressão.

Mas, afinal, o que foi deturpando este direito, ao longo dos ditos “tempos modernos”, já que, a população no geral o reconhece como sendo basilar?

O que leva, ao que se assiste nas redes sociais de que alguém que exprime as suas opiniões, sem injuriar ou difamar alguém, são brutalmente atacadas no seu direito a fazê-lo?

Não será pelo embate de ideias ou o confronto de opiniões que haverá melhor possibilidade para alcançar a verdade, mesmo que não se possa assegurar que essa seja obtida? Existem vários exemplos mediáticos, que incendeiam as redes sociais.

O mar de insultos de que Miguel Milhão e a Prozis (empresa da qual é acionista) foi alvo, são assustadores, e reveladores de uma sociedade em crescente hipocrisia, um espelho de que o mundo adoeceu e que vive na bolha do politicamente correto, dando a aparência que apenas serão válidas as opiniões iguais que se enquadrem no moralmente aceitável pela generalidade da população. Estamos perante uma opinião, que foi expressa em determinado contexto e que não produziu um risco real e objetivo contra outras pessoas, sendo assim uma opinião protegida, ou seja, o limite da liberdade de expressão não foi ultrapassado, como diria John Stuart Mill na obra “Sobre a Liberdade” de 1859.

Relembro que, ao longo deste texto, não estou a discutir o conteúdo dos comentários das pessoas aqui referidas, mas sim da liberdade de estas se poderem expressar livremente.

Outro caso a ser debatido, foi o de, após Donald Trump incentivar milhares de manifestantes a invadirem o Capitólio, onde funcionam as duas câmaras do Congresso federal dos EUA, as grandes empresas tecnológicas, como a Apple, a Google, a Amazon, o Twitter, entre outras, decidiram suspender/silenciar as intervenções deste nestas plataformas. Grande parte da população vibrou em saudação a esta decisão, mas não será de questionar se devem ser as grandes empresas tecnológicas a regular e a definir os limites da liberdade de expressão? Poderão elas decidir sobre quem pode e quem não pode escrever na internet? Será válido a estas empresas silenciarem as mensagens por alegadamente colocarem em causa a segurança das pessoas?

Relativamente a este caso, a própria Angela Merkel considerou “problemático” banir Trump do Twitter e de outras plataformas, no que foi acompanhada por, imagine-se, Navalny, o corajoso opositor a Putin.

São estas atitudes duvidosas que fazem parte dos partidos de Extrema que silenciosamente e devagarinho encontram lugar no pensamento de cada pessoa que desrespeita a liberdade do outro, que num ápice se poderá voltar ao aprisionamento das ideias, das ações, do pensar, do exigir, do reclamar, enquanto se aplaudir o “politicamente” correto, sem pensar nas implicações de o fazer.

Percorremos assim, um caminho perigoso, um caminho em que podemos “cortar” a palavra a pessoas que profundamente nos desagradam.

Parece aliciante não é? Mas poderia ser a qualquer um de nós, bastaria que não concordassem com a nossa opinião.

Bibliografia

1 The friends of Voltaire, livro de 1906, publicado em Londres pela Smith, Elder & Co., da escritora Evelyn Beatrice Hall com o pseudônimo de S. G. Tallentyre, este livro trata de dez figuras notáveis com quem o seu biografado, de alguma forma, se relacionou. São elas: D'Alembert, Diderot, Galiani, Vauvenargues, Holbach, Grimm, Turgot, Beaumarchais, Condorcet e Helvétius. É na parte dedicada a este último que a biógrafa apresenta a frase "I disapprove of what you say, but I will defend to the death your right to say it", frase associada a Voltaire.