Não se fechar nem se reduzir ao circuito explicativo, geralmente pautado em estímulo/resposta ou causa/resultado, permite que se globalize o que ocorre enquanto implicações relacionais. Nada está solto no universo, nada é isolado. Quando se corta ou se efetua destaques, se faz recortes ampliados de ocorrências mas ao mesmo tempo as isolam de suas relações constituintes. A recuperação dessas relações é o ato necessário para apreensão de sua globalidade, sua inteireza.

Quando pensamos nas diferenças econômicas que reduzem populações inteiras à mera sobrevivência podemos imaginar inúmeras causas para explicar o fato, desde a ideia de castigo divino, karma que se impõe diante de atrocidades outrora cometidas pelos indivíduos, até insinuações sobre a falta de vontade e preguiça ou da não disposição para progredir. São diversas opiniões que pretendem explicar as desigualdades econômicas sociais, mas que na verdade são parcializações, são como uma tampa que encobre as implicações processuais da espoliação, do colonialismo, da transformação do mundo em grande mercado no qual vale o precificado imposto por infinitas injunções. Essas distorções explicativas — pois são destaques parciais — atuam ocultando, não açambarcando nem visualizando as discrepâncias econômicas. Da mesma forma, explicar as dificuldades pessoais como resultantes de causas ou ações de terceiros, de grupos, de ambientes societários enfim, dificultam e até impedem a compreensão dos processos individuais, caindo em justificativas que não esclarecem e não possibilitam transformação, apenas descrevem alienação e dependência, como, por exemplo: se droga influenciado pelos amigos, não sai de casa por que é vítima de preconceito, se submete por que tem medo, não age por que tem muitas dúvidas, está deprimida por causa da pandemia da Covid-19, desenvolveu pânico porque o marido morreu, é insegura por que é mulher, é agressivo por que viveu em ambiente violento, é prepotente por que tem certeza do que pensa, está nervoso por causa do concurso que vai fazer, etc.

Somente quando os fenômenos, os acontecimentos, as ocorrências são globalizadas é possível perceber sua inteira fisionomia, sua estrutura. Saber que o que acontece está acontecendo, mas explicá-lo pelo que aconteceu antes — aspectos históricos — ou pelo que virá depois — seu desdobrar consequente — não permite apreender o que está ocorrendo. Abordagens parciais, unilaterais, tendenciosas, que tentam destacar ou esgotar o que ocorre reduzindo-o ao passado, ao futuro ou à evidência que não mostra todos os contextos ou relações, são solapadoras de sua imanência e assim essa configuração parcializada desponta impossibilitando a compreensão. São, então, feitos acréscimos, posições para que surja entendimento do que ocorre. Quando isso é feito, híbridos são criados. Surge uma soma arbitrária de elementos que para as distorções redutoras tudo explicam, apesar de nada especificarem.

Apreender as implicações processuais é a trilha que vai permitir o encontro ou descoberta das implicações, consequentemente da continuidade enquanto afirmação e negação do ocorrido. Essa apreensão de implícitos é o que mantém a continuidade dos processos, é o continente da realidade e de sua variação. Esgotado em si mesmo o que ocorre nada explicita acerca do que está ocorrendo e assim gera dúvidas e desconfianças.

Nas vivências individuais a não apreensão das implicações do que se percebe é o que cria incertezas. É como se fossem destruídas as bases que permitem segurança e conhecimento. Permanecem apenas pedaços transformados em pontos de apoio e assim são construídas as figuras chaves: pais, mestres, chefes, protetores que tudo conhecem e explicam. É o reino do suposto saber, do que orienta, educa e tudo determina. As realidades, as próprias vivências são negadas para que se continue afirmando as explicações do Pater Magister, do pai que resolve, do companheiro que decide.

Não apreender as implicações processuais é o início da alienação, dependência e medo. Em situações limite por exemplo, como nas guerras, pandemia, morte do pai da família ou cortes repentinos criam-se paredões, anteparos a partir dos quais nada mais é percebido. Transformar a situação limite em válvula propulsora de novas perspectivas é transformador, traz elucidação de implicações que à medida que são apreendidas, configuradas estabelecem novas direções do estar e também do ser no mundo. Perceber as implicações é exercer a liberdade do quebrar limites, descobrindo outras configurações sinalizadoras de mudança e disponibilidade.