Escute o que as pessoas têm a dizer. Não interrompa; deixe-as falar.

(Conselho de um octogenário)

Escutar o outro envolve um exercício aparentemente simples de se manter em silêncio e focar sua atenção no discurso da outra pessoa. A prática nos mostra, entretanto, que se trata de um aprendizado e um grande desafio. Não estou falando da técnica da escuta desempenhada por profissionais da área da Psicologia ou da Psicanálise. Falo do exercício cotidiano de ouvir a pessoa que está mais próxima de nós, nossos entes queridos, nosso parceiro, nossos filhos, amigos, nosso colega de trabalho, nossos colaboradores, a pessoa que está à nossa frente, seja ela quem for.

Na maioria das vezes não conseguimos ouvir o que o outro está dizendo, seja porque estamos muito ansiosos e preocupados em falar ao mesmo tempo que ele, seja porque nos sentimos atingidos de alguma maneira por suas palavras e precisamos fazer algum tipo de retaliação (muitas brigas entre casais começam assim). Estamos todos muito voltados para o que acontece dentro de nós e não conseguimos realizar o movimento necessário para “sair de si” e colocar devidamente o foco em outro olhar e/ou outra realidade que não seja a nossa.

Escutar implica em abdicar momentaneamente das próprias demandas e colocar-se internamente em estado de disponibilidade para a outra pessoa; deixar que se aquietem e repousem como em um pano de fundo as próprias aflições para abrir-se para uma outra lógica. O passo seguinte: focar sua atenção plena nas palavras do outro e estar verdadeiramente com ele. A prática de mindfullness1 — muito em voga atualmente — pode auxiliar muito neste sentido.

Escutar sem interromper. Não fazer críticas. Não passar a sua própria receita sobre como você agiria naquela situação, até porque o que é bom e recomendável para si pode não funcionar para o outro. Ao colocar em prática estas atitudes você está a dizer: “Você é importante para mim! Respeito seus sentimentos”. Na verdade, tudo que nosso interlocutor mais necessita é de um ouvido atento, pois ao expor o que lhe vai pela alma, suas ideias e seus sentimentos se tornam mais claros. Não nos esqueçamos de que a solução para nossos problemas já está dentro de nós à espera por ser vista, como no fundo de um lago agitado.

O mundo em que estamos vivendo carece de bons ouvintes. Entenda-se este como um exercício de doação, onde quem escuta está doando um pouco do seu tempo, de sua energia psíquica e está abrindo dentro de si um espaço de acolhimento. Muitas vezes, isto implica em interromper nosso corre-corre para entrar por um atalho não planejado a fim de estar com alguém. Esse “estar com” pode ser fazer uma refeição em conjunto, ouvi-lo(a) contar histórias sobre seu passado, acolher suas queixas sobre sua saúde ou o seu mais profundo segredo! Pedidos de ajuda, de amizade ou até mesmo pedidos de socorro frequentemente nos são apresentados de maneira sutil e podemos deixar escapar a oportunidade se não estamos atentos e não ligamos o nosso “semancol”. Em consequência disso, podemos nos relacionar com várias pessoas, mas continuarmos sós e com isso perdermos uma preciosa oportunidade de evolução. Não nos esqueçamos que o momento presente ao se esvair entre nossos dedos, jamais voltará. Portanto, sejamos perspicazes ao que se nos é apresentado no aqui e agora.

Dar importância ao outro e ao que ele tem a dizer, independente de nossas demandas pessoais, ainda é uma tarefa a ser aprendida, pois exige a saída do egocentrismo para a prática da solidariedade e do altruísmo. Saber que existem milhões de “pontos de luz” no universo e que dentro deles reside a mesma ânsia pela vida e por ser visto que em nós mesmos, reconhecer sua manifestação é um grande exercício de evolução.

Nossa capacidade de lidar com pessoas ainda é uma habilidade a ser desenvolvida.

Precisamos urgentemente do outro, pois é através dele que nos autoafirmamos e confirmamos nossa identidade. Lembrando que, o exercício de dar e receber atenção, muito se passa pela prática de uma boa escuta. Escutando você “vê” a pessoa e a reconhece na legitimidade de seus sentimentos e de sua maneira própria de Ser no mundo.

Estamos na era e em busca de nossa melhor versão, mas a versão do outro nem sempre é bem recebida, principalmente quando entra em choque com nosso autoconceito ou sentimos que tenhamos sido arranhados em nossa própria imagem. Portanto, ter disponibilidade interna para o outro é uma condição básica e necessária se queremos interagir e desenvolver nossa habilidade de relacionamento interpessoal. Tudo o que conseguimos na vida, obtemos por meio de nossos relacionamentos, de interações eficazes e consistentes.

Fazer pelo outro é fazer por si. Antes de falar, escute!

O silêncio, regra de ouro.

Nota de rodapé

1 Mindfulness é um conjunto de práticas que combina regulação da atenção e meditação a fim de desenvolver a capacidade humana de estar plenamente presente. Ela proporciona a autoconsciência emocional, consciência do ambiente e do corpo. Assim agindo, acalmamos nossos sentidos e diminuímos o nível de agitação mental.