O cineasta inglês Ken Loach fez um filme sobre um homem comum que, mesmo dizendo apenas a verdade, não consegue fazer com que as instituições, sobre as quais recai o dever legal e moral de auxiliá-lo, o façam diante de uma petição mais que justa. Eu, Daniel Blake arrebatou o prêmio mais importante no festival de Cannes em 2016 (além do BAFTA inglês) e têm conquistado o público em diversos países, como o nosso, onde muitas das sessões foram seguidas do aplauso da plateia.

Daniel, o protagonista, é, de alguma forma, cada um e todos nós, e isso outorga ao filme uma força descomunal. Quando a simples verdade dos fatos encontra barreiras intransponíveis, seja num funcionário público rude e mal preparado que se recusa a enxergar no outro um semelhante, não cumprindo o seu papel fundamental na sociedade, seja em instâncias altas do poder (como um judiciário corrompido, ou um presidente xenófobo), sabemos que estamos vivendo na era dos muros.

Físicos ou não, os muros são reais e já fazem parte da maneira com que nos relacionamos uns com os outros. Pouco importa se o muro de Trump será concretizado ou não, ele já dividiu um continente inteiro. A Europa não precisa de um muro físico para barrar seus imigrantes e mitigar preconceitos – o Brexit está em pleno andamento, e a extrema direita tem chances reais de vitória eleitoral em países como a França e Alemanha. Países do norte europeu, como a Suécia e a Noruega, têm visto o crescimento de movimentos neonazistas. Os extremistas ocidentais já não têm mais medo de sair à luz do dia e bradar aos quatro ventos o seu ódio. No oriente, o muro da Palestina, que mais parece uma construção carcerária, é a materialização do ódio entre povos vizinhos.

Quando o François Bégaudeau escreveu um romance falando sobre o choque cultural no ambiente escolar francês, da impossibilidade da comunicação entre alunos pertencentes a universos diferentes e seus professores (portanto, sua não adequação ao que é aceito academicamente como cultura francesa), não fortuitamente, o título escolhido foi “Entre os muros da Escola”. Os muros denotam impenetrabilidade entre os sujeitos divididos por este tipo de interposição, e a opressão do mais forte sobre o mais fraco. Do colonizador, sobre o colonizado. A vitória dos que monopolizam privilégios.

O muro trunca a comunicação, marginaliza populações e vence a razão. Ele não permite a livre circulação de pessoas, das ideias, e de toda a riqueza que existe no ato de dialogar com o outro. Somos reduzidos a selvagens bradando diante da parede, sem nunca ser ouvidos, sem compreensão, carentes de consenso e empatia. E quando o diálogo não é possível, só nos restam o ruído e a barbárie.

Bem-vindos sejamos todos à era dos muros do século XXI. E que possamos ainda achar brechas e rachaduras por onde consigamos nos comunicar, nos aceitar e amar.