Descodificar os códigos, traduzi-los, inventá-los. Criar uma nova linguagem. Resignificar os sinais. Mesmo que os sinais mudem, as mensagens continuam as mesmas? O que resta depois de tudo? O que permanece para sempre?

Se há um material que parece frágil e efémero, é a porcelana. Dúctil e indelével, quase tão antiga quanto a humanidade. Na China, já se trabalhava com ela em 1700 a.C., coincidindo com a invenção da música ou da arte, fazendo parte da nossa história como espécie. Ela conta a nossa história.

O momento em que a China começa a usar o azul cobalto, como fez Barreiro nestas peças, coincide com o estabelecimento de um proto-capitalismo e, com ele, as exportações a nível mundial. No século XIV, marca a dinastia Ming e a conquista do mundo. A Europa copia este processo, deixa-se colonizar pelas formas para as tornar suas, uma transculturação que deriva em identidade. O azul sobre branco torna-se um gosto europeu das massas, importado pelos fabulosos navegadores portugueses. Eles apropriam-se desses códigos, declinando-os através do azulejo. Abraçam-no como algo próprio. O símbolo muda, mas o código não.

A cópia, a mimese, a repetição são a essência da nossa cultura, apesar de o Ocidente procurar a utopia da peça «única e original», a China agarra-se ao mutável e ao processo de deriva, fá-lo através do shanzai: adaptar o copiado até se tornar outra coisa. Barreiro desconstrói este quadro ontológico, invertendo-o: a cópia, a peça em série, que pode ser repetida infinitas vezes, torna-se obra de arte. Pega na sinalética do trânsito — setas, triângulos, anéis de obrigação, diagonais de alerta — e enxerta-a em placas e volumes trabalhados em pasta branca. O óxido de cobalto — cor histórica de Portugal, dos azulejos e de Vista Alegre — aparece em degradés que emergem do relevo: espigas, estrias e malhas que capturam o pigmento.

Qué fica?, o título desta exposição, alude ao transcendental a partir do quotidiano e questiona a essência do mundo. Heráclito e Byung-Chul Han, no final, não estão assim tão distantes um do outro. Os seus caminhos conduzem a lugares comuns, cosmografias irmãs, essências que permanecem na mudança.

Pablo Barreiro (Meaño, Pontevedra, 1982) é um dos artistas-chave na nova produção e experimentação da cerâmica na sua narrativa contemporânea. Explora a serialidade, a repetição e a relação entre original e cópia na arte, dotando-a de um discurso antropológico e transcendental.

(Texto de Maria Marco, setembro de 2025)