E chamou a casa de Israel o seu nome maná; e era como semente de coentro branco, e o seu sabor como bolos de mel.

(Exod. xvi.31)

Caracterização geral da planta

O coentro (Coriandrum sativum) é uma planta herbácea, de ciclo anual, com 15-50 cm de altura. A sua família (Apiaceae) apresenta espécies de elevado interesse económico (e.g. aipo, alcaravia, aneto, anis, cenoura, cerefólio, cominho, funcho e salsa), comportado cerca de 430 géneros e 3780 espécies repartidas por quatro subfamílias. O género Coriandrum compreende a espécie cultivada (Coriandrum sativum) e a espécie silvestre (Coriandrum tordylium).

A espécie cultivada tem sido motivo de estudo desde o século XIX devido ao alto nível de variação intraespecífica. Com base na massa e diâmetro dos frutos classificou-se a variedade sativum (Coriandrum sativum L. var. sativum; 1000 frutos com massa superior a 10 g e com diâmetro superior a 3 mm) e a variedade microcarpum (Coriandrum sativum L. var. microcarpum DC.; 1000 frutos com massa inferior a 10 g e diâmetro igual ou inferior a 3 mm).

A origem do coentro como espécie cultivada permanece incerta, porém, atribui-se-lhe as regiões da Ásia Central, Médio Oriente e Abissínia como centro de irradiação da espécie. Atualmente, o coentro encontra-se disseminado por todo o mundo, sendo amplamente cultivado na zona do Mediterrâneo, na Ásia e na região do Cáucaso. Em Portugal, o coentro representa a erva aromática mais importante em termos de área, representando 17,14ha do total de 27,96ha de área de plantas aromáticas, medicinais e condimentares para comercialização em verde. Na região do Alentejo apresenta sinónimos comuns como coendro, coriandro, ceandro e cheirinhos.

O coentro é um condimento com uma longa tradição nas culinárias do mundo. O fruto é frequentemente usado em caris, salmouras, salsichas, biscoitos, bolos, pães e licores (e.g. curação, gin ou vermute). Em fitoterapia emprega-se como estimulante das secreções digestivas, em situações de flatulência e espasmos intestinais. Atuam ainda como carminativo, diurético, tónico, digestivo, afrodisíaco, etc.

O óleo essencial e a oleorresina, produtos obtidos a partir de processos físicos específicos como destilação, compressão ou extração, são usados principalmente em temperos para salsichas e outros produtos à base de carne. Encontram aplicação em produtos de panificação, condimentos, gomas, misturas de caris, bebidas alcoólicas e não-alcoólicas. O óleo essencial é usado preferencialmente na aromatização de licores, cacau e chocolate.

As folhas (frescas ou secas) são usadas em açordas, caris, guisados, molhos, saladas, sopas, etc. Funcionam como um ótimo substituto do sal. Possuem vitaminas A, C, E, B3 e B6 e minerais como potássio, cálcio, fósforo, sódio e magnésio.

Da coentro-fobia

Plínio, o Velho, (23-79 d.C.), terá reivindicado as propriedades "refrescantes" do coentro, mas, nem sempre foi assim. Houve quem lhe atribuísse qualidades menos boas, mesmo tóxicas. Mais recentemente, em 2002, a famosa chefe americana Julia Child (1912-2004) declarou guerra ao coentro, afirmando que tem um "gosto a morto". Há inclusive uma comunidade online (IHateCilantro.com) que partilha do mesmo tipo de opinião. O debate arrasta-se há muito.

O grande rol de opiniões desencadeado pelo sabor típico do coentro fresco não é muito comum, razão pelo qual despertou o interesse de vários cientistas. Embora a maioria dos sabores apresentem algum grau de polaridade, este é um caso extremo. Quando apreciado é descrito como fresco, pungente, fragrante e cítrico. Os que não gostam dizem que sabe ou cheira a coisa imunda, e em alguns descritores consta como "lixo", "sabão" e "percevejo".

Tal polarização pode-se explicar consoante os diferentes hábitos alimentares das populações. Sabe-se que o seu consumo varia consoante as várias regiões e grupos étnicos. Os grupos do Médio Oriente, da Hispânia e do Sul da Ásia encontram-se entre aqueles que menos sentem repulsa ao coentro. A repulsa prevalece entre os caucasianos e os grupos da Ásia Oriental —, isso deve-se a fatores culturais e às diferenças genéticas entre os vários grupos étnicos.

Num outro estudo efetuado pela empresa 23andMe, Inc., sediada em Mountain View, California, chegou-se à conclusão que, a causa da aversão se deve a um polimorfismo de uma única base; uma variação genómica na sequência de DNA que afeta apenas uma base azotada (A, T, C ou G) — as bases organizam-se sempre aos pares (Adenina-Timina e Citosina-Guanina). Este polimorfismo está associado a genes de recetores olfativos que se encontram no cromossoma 11. Um dos genes recetores olfativos, o OR6A2, deteta o cheiro a sabão do coentro —, isto sucede em populações europeias.

Os indivíduos que expressam este gene sentem um aroma desagradável. Conseguem detetar um aldeído1 de seu nome E-2-decenal. Este aldeído, a par do E-2-dodecenal possui um perfil aromático de tipo gorduroso, pungente e saponáceo. Muitos destes compostos são encontrados em loções, sabões, e, inclusive em percevejos fedorentos da família Pentatomidae.

Já os indivíduos que não expressam tal gene detetam um odor fresco e agradável. Estes resultados confirmam que existe uma componente genética que influencia o gosto do coentro, sugerindo que não gostar de coentro deriva de variantes genéticas dos recetores olfativos.

Coentro vs. salsa

Foi Harold McGee que disse: The Portuguese put fistfuls into soups, ou seja, "Os portugueses põem grandes punhados nas sopas" [Tradução nossa]. Estava-se a referir aos coentros. Não há "Sopa da Pedra" sem uma mão-cheia deles. Há até um termo culinário que está associado ao seu uso: "à alentejana".

A salsa, ou salsa hortense (Petroselinum hortense) não teve a mesma sorte, apesar de ser muito comum entre nós. Segundo o jornalista Miguel Esteves Cardoso (MEC), o uso do coentro e da salsa estará delimitado por uma fronteira que divide o país; um país muito verde é certo. Mas, como localizar tal fronteira?

A etnobotânica estuda o modo como o homem incorpora e lida com as plantas nos diferentes contextos culturais, regra geral, dentro de comunidades tradicionais. Tal ciência emprega vários métodos de recolha de dados, por exemplo, entrevistas em que as informações são recolhidas diretamente no campo mediante um inquérito com questionário, ou, através de uma conversa informal, ou ainda através de recolha bibliográfica de fontes documentais.

Um grupo de etnobotânicos portugueses (Alexandra Soveral Dias e Luís Silva Dias) do departamento de Biologia da Universidade de Évora, hoje aposentados, elaboraram uma base de dados de ingredientes de receitas tradicionais portuguesas a partir de fontes bibliográficas selecionadas. Neste momento têm registado um total de 1380 receitas repartidas por 9 províncias de Portugal Continental e 2 regiões autónomas (Açores e Madeira).

O objetivo principal da investigação foi caracterizar a cozinha tradicional portuguesa com base nas diferenças regionais, dando especial ênfase ao uso dos temperos. Das três categorias de temperos tratadas apenas mencionamos a categoria donde se inclui o coentro e a salsa, i.e., o conjunto das plantas espontâneas, subespontâneas e cultivadas. Foi nesta categoria que se registou a maior abundância de condimentos. O número total de pratos salgados à base de carne, peixe, marisco, ovos e vegetais contendo coentro e/ou salsa foi de 575 (a distribuição apenas se refere às 9 regiões de Portugal Continental).

Assim, a região de "Entre Douro e Minho" está representada maioritariamente por receitas que levam salsa, excetuando uma com coentro e salsa, na receita de "Sopa do Mar", de local não especificado. Tanto a região de "Trás-os-Montes e Alto Douro" como a da "Beira Alta" estão representadas apenas por receitas contendo salsa, 69 e 27, respetivamente. A região da "Beira Baixa" apresenta apenas uma receita com coentro, nomeadamente, a "Sopa de Favas" de Idanha-a-Nova, 35 com salsa e 2 com coentro e salsa; a "Lampreia" do Fundão e a "Sopa de Peixe à Moda do Rei Wamba", sem a menção do local.

A região da "Beira Litoral" apresenta um total de 44 receitas com salsa e 2 com coentro e salsa; o "Ensopado de Enguias" e as "Sardinhas de Mingau", ambas igualmente sem local especificado. A região da "Estremadura" apresenta 7 receitas com coentro, 86 com salsa e 7 com coentro e salsa. A região do "Alentejo" é a região de Portugal Continental que apresenta maior quantidade de receitas com coentro, mais especificamente 36. O número total de receitas com salsa é de 68 e de coentro e salsa, de apenas 4. A região do "Algarve" é a segunda região do país que apresenta maior número de receitas com coentro, nomeadamente 17. Apresenta ainda 67 receitas com salsa e 6 com salsa e coentro.

Com este quadro, depressa se conclui que a distribuição na região Norte ("Entre Douro e Minho", "Trás-os-Montes e Alto Douro", "Beira Alta", "Beira Baixa" e "Beira Litoral") se restringe à salsa, com valor percentual de cerca de 98% e que a região Sul ("Estremadura", "Ribatejo", "Alentejo" e "Algarve") apresenta uma distribuição mais equitativa, i.e., cerca de 73% das receitas incluem salsa, 21% coentro e 6% coentro e salsa.

A salsa é a erva que possui maior empregabilidade nas receitas do território nacional. O coentro raramente é empregue nas receitas do Norte de Portugal. Já no Sul, é usado de forma moderada. De realçar que é na região do "Alentejo" que se apresenta o maior número de receitas com coentro (36), representando 51% do total de Portugal Continental. Não é por acaso que se diz que o coentro é um dos ex-libris do Alentejo. Ele é uma das plantas mais relevantes para as tradições socioculturais da região. Mas, mesmo assim, a salsa é a erva predominante no receituário do "Alentejo".

O estudo dá a mostrar que existe diferenças relativamente à empregabilidade das duas ervas nas receitas do Norte e do Sul de Portugal Continental. Apesar de não nos revelar o consumo das populações portuguesas, contribui de forma singular para o conhecimento das frequências dos dois ingredientes no receituário tradicional português.

É claro que a fronteira que separa o Portugal da salsa do Portugal dos coentros não é de todo nítida, mas, sabendo nós que é "um dos maiores mistérios da paisagem em Portugal" já só nos resta sonhar, porque como nos diz Miguel Esteves Cardoso: "Sonho com um mapa de Portugal em que haja, a norte, uma área coberta de folhinhas de salsa e, a sul, de folhinhas de coentros".

Nota

1 Os aldeídos são compostos orgânicos caracterizados pela presença de um grupo carbonila (C = O). Eles estão presentes em todos os sabores de alimentos e, na sua maioria, são determinantes nos sabores, já que têm aromas bastante fortes. Aqueles que contêm massas molares pequenas possuem aromas desagradáveis, como por exemplo o etanal. Os aldeídos que possuem maiores massas molares são muito aromáticos, tal como o cinamaldeído, o composto orgânico responsável pelo aroma a canela.

Referências

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