A Escola Austríaca de Economia é uma das correntes mais influentes e, ao mesmo tempo, controversas da teoria econômica. Suas origens remontam ao final do século XIX, em Viena, onde uma série de economistas desenvolveu uma abordagem distinta, fundamentada em princípios que desafiavam as convenções econômicas de sua época. Ao longo de sua evolução, a escola austríaca tem atraído tanto seguidores fervorosos quanto críticos, especialmente pela sua ênfase na liberdade individual, na importância do processo de mercado e na rejeição de intervenções governamentais excessivas. Neste artigo, vamos explorar a origem histórica da escola, os principais expoentes que moldaram suas ideias, suas principais concepções e, finalmente, compará-las com as abordagens de pensadores como John Maynard Keynes e Michał Kalecki.
A origem histórica da Escola Austríaca
O nome "Escola Austríaca" é uma designação que remonta à cidade de Viena, onde um grupo de economistas começou a desenvolver suas teorias no final do século XIX. A história dessa escola começa com o trabalho de Carl Menger, o fundador da Escola Austríaca. Em 1871, Menger publicou sua obra seminal Princípios de Economia, que reformulou a teoria do valor e trouxe uma perspectiva radicalmente nova para a análise econômica. Menger argumentou contra a teoria objetiva do valor, amplamente aceita na época, que afirmava que o valor de um bem era determinado pelo custo de produção. Ele propôs, em vez disso, que o valor era subjetivo, dependente das preferências e percepções dos indivíduos.
A ideia de que o valor de um bem é determinado pela utilidade que ele proporciona ao consumidor, e não por seu custo de produção, foi uma revolução intelectual. Essa abordagem subjetiva de valor passou a ser um dos pilares da Escola Austríaca e teve um impacto profundo sobre o desenvolvimento das teorias econômicas subsequentes. Com Menger, a escola se distanciou da corrente clássica e neoclássica da economia, destacando-se por sua ênfase no indivíduo e na importância das escolhas subjetivas no processo de mercado.
Os principais expoentes da Escola Austríaca
Embora Carl Menger seja o fundador da Escola Austríaca, diversos outros pensadores contribuíram para seu desenvolvimento e popularização ao longo do tempo. Entre eles, destacam-se os seguintes:
Eugen von Böhm-Bawerk
Eugen von Böhm-Bawerk foi um dos discípulos mais notáveis de Menger e é conhecido por suas contribuições à teoria do capital e dos juros. Em sua obra Capital e Juros, publicada no final do século XIX, Böhm-Bawerk desafiou as teorias anteriores sobre o capital e os juros, argumentando que os juros eram explicados pela preferência temporal dos indivíduos. Segundo Böhm-Bawerk, as pessoas preferem satisfazer suas necessidades no presente, o que cria uma demanda por recursos imediatos, elevando assim o preço do capital. Ao mesmo tempo, aqueles que têm uma preferência por adiar o consumo e investir no futuro aceitam juros sobre seus investimentos, criando um equilíbrio entre a oferta e demanda de recursos.
Ludwig von Mises
Ludwig von Mises é, sem dúvida, um dos mais influentes economistas da Escola Austríaca e uma figura central em seu desenvolvimento. Sua obra Ação Humana, publicada em 1949, é considerada uma das mais importantes contribuições para a teoria econômica do século XX. Mises foi um defensor ardente da liberdade econômica e da importância dos mercados livres para o funcionamento eficiente da economia. Sua teoria praxeológica da economia, que parte do princípio de que os seres humanos agem de forma racional para atingir seus fins, tem sido um elemento fundamental do pensamento austríaco. Mises também foi um crítico feroz do socialismo, argumentando que os sistemas econômicos centralizados são incapazes de alocar recursos de forma eficiente devido à falta de informações que só o mercado pode proporcionar.
Friedrich Hayek
Outro nome de peso na Escola Austríaca é Friedrich Hayek, cuja contribuição para a teoria econômica e para a filosofia política foi fundamental. Hayek é amplamente conhecido por sua teoria sobre a ordem espontânea e o papel do mercado na disseminação de informações. Em sua obra O Caminho da Servidão, publicada em 1944, Hayek argumentou contra as políticas econômicas socialistas e centralizadoras, afirmando que a tentativa de controlar a economia por meio de planejamentos centrais resultaria na perda de liberdades individuais e em uma gestão ineficiente dos recursos. Hayek destacou, assim, a importância de se preservar a liberdade individual e a autonomia do mercado como mecanismos essenciais para a prosperidade e a justiça social.
As principais ideias da Escola Austríaca
As ideias centrais da Escola Austríaca de Economia podem ser resumidas em alguns pontos-chave que a distinguem de outras abordagens econômicas. Esses pontos são:
Subjetividade do valor
Como mencionado anteriormente, a escola austríaca defende a teoria subjetiva do valor, segundo a qual o valor dos bens e serviços não é determinado por custos de produção ou por uma métrica objetiva, mas sim pelas preferências individuais dos consumidores. Essa teoria propõe que as escolhas dos indivíduos são baseadas em suas avaliações pessoais de utilidade, o que implica que o valor é uma construção subjetiva e dinâmica.
Ação humana e praxeologia
A economia austríaca é profundamente influenciada pela praxeologia, a teoria da ação humana desenvolvida por Mises. A praxeologia parte do princípio de que os indivíduos agem racionalmente para alcançar objetivos, buscando melhorar sua condição e satisfazer suas necessidades. As escolhas dos indivíduos no mercado são vistas como os principais motores da atividade econômica, e a análise de como essas escolhas afetam o sistema econômico como um todo é essencial para a compreensão da economia.
O mercado como um processo de descoberta
Para os economistas austríacos, o mercado não é um estado de equilíbrio estático, mas um processo dinâmico de descoberta. Hayek, em particular, destacou o papel dos mercados na coordenação das ações dos indivíduos. O mercado permite que informações dispersas sejam compartilhadas e utilizadas de forma eficiente, promovendo a inovação e a adaptação. A ideia de que o mercado é um processo de descoberta reflete a crença de que a economia não pode ser planejada de forma centralizada, pois a complexidade e a incerteza dos mercados exigem flexibilidade e adaptação contínua.
Crítica ao intervencionismo governamental
A Escola Austríaca é amplamente crítica em relação ao intervencionismo estatal na economia. Os austríacos acreditam que as intervenções governamentais, como os controles de preços, os subsídios e as regulamentações excessivas, distorcem os sinais de mercado e reduzem a eficiência econômica. Em sua visão, a melhor maneira de garantir o bem-estar social é permitir que os mercados funcionem livremente, sem a intervenção do governo.
A comparação com Keynes e Kalecki
A escola austríaca de economia difere substancialmente do pensamento econômico de John Maynard Keynes e Michał Kalecki, ambos expoentes da teoria econômica que, embora também reconheçam a importância dos mercados, enfatizam a necessidade de intervenções governamentais para corrigir as falhas do mercado e promover a estabilidade econômica.
Keynes e a intervenção governamental
John Maynard Keynes, cujas ideias dominaram a economia mundial durante o século XX, propôs que os mercados não são autorreguláveis e podem entrar em períodos de recessão prolongada, nos quais o investimento privado e a demanda agregada são insuficientes para gerar pleno emprego. Para Keynes, a intervenção do governo era crucial para estabilizar a economia. O Estado deveria atuar como um "empregador de última instância", promovendo políticas fiscais expansivas, como o aumento do gasto público, para estimular a demanda e impulsionar o crescimento.
Kalecki e a Economia Política
Michał Kalecki, por sua vez, apresentou uma abordagem similar a Keynes, mas com uma ênfase mais marcada nas dinâmicas políticas do capitalismo. Kalecki argumentou que o comportamento dos capitalistas e trabalhadores na economia não era apenas uma questão de economia pura, mas estava profundamente relacionado com a luta de classes e a distribuição de poder. Ele acreditava que o Estado deveria intervir para reduzir as desigualdades econômicas, mas também reconhecia que as políticas keynesianas poderiam ser usadas para manter a ordem social e o sistema capitalista intactos.
Comparação com a Escola Austríaca
Em contraste com Keynes e Kalecki, a Escola Austríaca rejeita a ideia de que o governo deve intervir ativamente na economia. Os austríacos acreditam que os ciclos econômicos são, em grande parte, causados pela manipulação da moeda e pelo crédito excessivo por parte do governo e dos bancos centrais. A solução para a instabilidade econômica, segundo os austríacos, não é a intervenção governamental, mas sim a redução do controle sobre o sistema monetário e a restauração da liberdade de mercado.
Conclusão
A Escola Austríaca de Economia oferece uma visão única e distinta do funcionamento da economia. Suas ideias sobre o valor subjetivo, a ação humana, o mercado como processo e a crítica ao intervencionismo estatal permanecem influentes e relevantes até hoje. Ao comparar a escola austríaca com os pensamentos econômicos de Keynes e Kalecki, fica evidente que as abordagens diferem fundamentalmente em relação ao papel do governo e à forma de lidar com as flutuações econômicas. Enquanto os keynesianos e kaleckianos defendem a intervenção governamental para corrigir falhas de mercado e promover a estabilidade, os austríacos acreditam que a liberdade do mercado é o melhor caminho para o progresso econômico e social. Essas divergências são fundamentais para a compreensão das diversas escolas de pensamento econômico que coexistem no cenário contemporâneo.