1945 marcou outro turning point nas migrações.

A Segunda Guerra Mundial alterou todos os parâmetros do problema. Entre 1950 e 1980, Estados Unidos da América, Europa Ocidental e países do Golfo Pérsico foram tornados os principais destinos de imigrantes. Logo em seguida vieram a Austrália e a Nova Zelândia. Mexicanos passaram a emigrar fortemente para adjacências do Mediterrâneo – Magreb, Turquia e Iugoslávia. Indianos, paquistaneses e latino-americanos elegeram o Reino Unido como destino. Magrebinos, africanos, indochineses e turcos focaram na França. Mas o determinismo da proximidade também incentivou o aumento expressivo de hispânicos latino-americanos rumando para os Estados Unidos da América. Adicione-se a esses fluxos, a movimentação de judeus do mundo inteiro indo se reunir em Israel após 1948.

A flexibilização do ingresso de imigrantes foi muito alentada nos espaços europeu e norte-americano durante os chamados Trinta Anos Gloriosos. Desde o fim da segunda Grande Guerra que foram criadas repartições nacionais para incentivar essa atração de migrantes. Alemães, por exemplo, implantaram o gast arbeiter para atrair trabalhadores e os norte-americanos, em 1965, instituíram o chamado aos hispânicos para como força de trabalho.

A Convenção de Schengen de 1974 foi criada pelos europeus para melhor gerir o ingresso de imigrantes. A ideia-força da convenção era determinar que um estrangeiro que ingressava em um dos países signatários seria aceito automaticamente nos demais. O mesmo serviria em caso de recusa. Recusado por um seria recusado automaticamente por todos os demais. De toda forma, desde 1970 que a proporção de imigrantes aumenta constantemente. De 84 milhões em 1970 o número bruto passou quase 300 milhões em 2020. Um avanço espetacular em qualquer registro.

A inequívoca aceleração demográfica mundial após 1945 exigiu uma discussão mundializada do fenômeno. Nesse sentido, em 1954, teve lugar em Roma, um primeiro encontro internacional para a discussão científica do tema. Outra reunião similar ocorreria em 1965 em Belgrado. As conclusões desses dois movimentos levaram o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas a propor, em abril de 1970, a organização de uma Conferência das Nações Unidas sobre Populações. Essa proposição foi aprovada pela Assembleia Geral em dezembro daquele ano e lançou as bases para a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em Bucareste, em 1974.

Vivia-se sob a Guerra Fria. A tensão Leste-Oeste seguia intensa. Clivagens ideológicas dividiam compreensões do mundo e, claramente, exerciam sobre influência sobre o dimensionamento dos problemas populacionais. O registro predominante indicava a distribuição dos países entre países do Norte e países do Sul. Sendo aqueles ricos e estes, pobres. As razões dessas conformações também dividiam avaliações. De um lado, os “natalistas” e, de outro lado, os “controlistas”. Essas eram as posições majoritárias seguidas de algumas “neutras”.

Nesse contexto, ao longo da conferência, os norte-americanos e os seus principais seguidores no Mundo Livre propugnaram a necessidade de queda drástica na expansão demográfica para se conseguir avanços mínimos na redução de desigualdades e pobreza nos países pobres. Países da África e da América Latina, Quênia e Argentina mais diretamente, partiam de um suposto inverso. Atribuíam os entraves da superação da pobreza a outros fatores que não os demográficos. Por outro lado, os variados países ancorados no espectro socialista e soviético defendiam a dimensão o crescimento populacional como um “fator neutro”.

A conjuntura de 1974 impedia compromissos. A crise de 1973 dava início a uma reversão de tendências econômicas em praticamente todos os países europeus e norte-americanos. Da mesma sorte, as tensões entre Washington e Moscou iam se acirrando. A influência da União Soviética na África e no Oriente Médio impediam consensos com matizes ocidentais. O posicionamento chinês e indiano também. O espírito da Conferência de Estocolmo, de 1972, sobre o meio ambiente foi incorporado aos debates populacionais. Mas sem efeitos práticos mais contundentes. Devido ao caráter ético, moral, íntimo e religioso, a Santa Sé também participou e influenciou decisivamente as discussões. Mesmo assim, o conjunto das discussões seguiu inconcluso.

Dez anos depois, em 1984, no México, seria realizada a segunda grande conferência internacional sobre o assunto para justamente avaliar os avanços dessas discussões. O mundo ainda vivia sob as contingências da Guerra Fria e da tensão Leste-Oeste. Mesmo assim, vários países tiveram as suas convicções anteriores modificadas. Os norte-americanos, por exemplo, sob a presidência de Ronald Reagan, levaram ao encontro do México um discurso diametralmente oposto àquele que apresentaram a Bucareste. Percebiam que a questão do crescimento e do desenvolvimento era muito mais complexa assim como as dinâmicas populacionais.

Do lado chinês, a política do “filho único” tinha sido estabelecida em 1979 e marcava diretamente as peculiaridades da China frente ao resto do mundo. Desde a África, notadamente desde a Nigéria, o discurso oficial ganhava área de maiores nuances. Acreditava-se que o debate deveria considerar a realidade corrente sem culpabilizar passados. A massa crítica desses dez anos de debates populacionais em esferas multilaterais de 1974 a 1984 gerou ao menos dois consensos. O primeiro sobre o estabelecimento de planejamentos familiares. O segundo – e mais importante – sobre a necessidade de uma atenção maior à situação da mulher. Esses consensos foram importante e serviram de condutores para a organização da próxima conferência que se faria no Cairo em 1994.

A Conferência do Cairo foi seguramente a mais importante de todas sobre o tema assim como foi a mais ampla, dinâmica e complexa. Ela participou desse momento de dinamização das Nações Unidas sob a gestão do secretário geral Boutros Boutros Ghali. O grande marcador do momento era o fim da Guerra Fria e a implosão da União Soviética. Esse fenômeno alicerçou um reenquadramento dos debates principais. A tese da “neutralidade demográfica” defendida pelos soviéticos foi superada. A tônica dos direitos humanos, em contraponto, foi incorporada. Assim como a noção de sustentabilidade que havia sido popularizada na Eco-92, no Rio de Janeiro.

Os desafios populacionais passaram, portanto, a serem pensados e tratados de outras maneiras. Algumas posições tradicionais se mantiveram. Como essa da Santa Sé ante políticas abortistas. Outras não tão tradicionais, como as norte-americanas entremeadas pelos dilemas da liberdade versus códigos de religiosidade, especialmente protestantes que haviam ambientando a eleição do presidente Bill Clinton em 1992, foram se afirmando. E, por fim, as dissonâncias do mundo árabe se fizeram amplamente sentir. A Guerra do Golfo de 1990 internacionalizou a problemática islâmica após a Guerra Fria. É verdade que os seus constrangimentos já se faziam mundialmente notar desde especialmente 1948 com a criação do estado de Israel.

Os eventos médio-orientais de 1956, 1967 e 1973 davam a mostra da abrangência de suas tensões. Entretanto, depois de 1989-1991, essas tensões passaram a ser afirmadas contundentemente no âmbito das Nações Unidas. Nesse sentido, ao longo da preparação da Conferência do Cairo, países como Arábia Saudita, Líbano, Iraque e Sudão conturbaram os debates e prometeram boicotar o evento por considerarem-no intrusivo. Mas ao fim das contas foram convencidos a participar.

A Conferência do Cairo foi ampla e ambiciosa. Os seus objetivos abarcaram praticamente todos os temas disponíveis objetivos e transversais do debate: população, meio ambiente e desenvolvimento; políticas e programas populacionais; população e mulher; planejamento familiar, saúde e bem-estar familiar; crescimento populacional e estrutura demográfica; distribuição populacional e migrações bem como os tópicos conceituais para inclusão no documento final – a relação entre população, meio ambiente, crescimento econômico sustentado e desenvolvimento; a capacitação e o fortalecimento (empowerment) da mulher; envelhecimento populacional; saúde e mortalidade; distribuição populacional; urbanização e migrações internas; migrações internacionais; saúde reprodutiva e planejamento familiar; parceria entre governos e ONGs. Essa variedade de temas impediu a adoção de uma declaração geral ao fim da conferência. Mesmo assim, projetou as linhas gerais do debate sobre populações.

Desde 1978 que o Fundo de Populações das Nações Unidas passou a reportar anualmente a situação da população mundial. Depois da Conferência do Cairo, os seus relatórios e os seus diagnósticos ficaram mais diversos e dinâmicos. Novas demandas como o envelhecimento das populações e a saúde reprodutiva das mulheres foram se transformando leitmotiv das ações. A população mundial chegou aos 8 bilhões em fins de 2022 com países como China e Índia figurando com mais de 1 bilhão de pessoas. O relatório do Fundo de Populações do ano seguinte, 2023, trouxe um título e um subtítulo que certamente sintetiza tudo: 8 Bilhões de Vidas, Infinitas Possibilidades: Em defesa de direitos e escolhas. Ou seja, o número conta e representa mais e mais uma importante riqueza.