Gostaria de dizer que é apenas mais uma obra pouco valorizada ou, quem sabe, até mal compreendida. Gostaria de afirmar que a arte contemporânea é um labirinto de conceitos difíceis, pouco estimada por todos e por nenhuns. Gostaria ainda de acrescentar e até assegurar que somos fiéis aos nossos valores e que acima de tudo apenas prevalecem os nossos ideais.
Acrescento apenas que nem sempre tudo acontece como mais gostamos.
Será que no íntimo, algum de nós realmente é como diz? O que pensamos é o que nos define?
Afinal, quem pode jurar que daquela água nunca beberá?
Importava-me muito declarar que sou uma amante incondicional da arte contemporânea. Explicar que todas as obras têm significado e que todos os museus e leilões cumprem a nobre missão de provar que a arte é digna de atenção. Talvez seja, no meu mais íntimo, um cunho pessoal, afirmar que a arte contemporânea é desvalorizada, não pela sua complexidade, mas pela comédia que frequentemente a acompanha, pelo fator de simplicidade de menos ser mais e, pela dificuldade de muitos compreenderem a mensagem.
Na verdade, boa ou má publicidade sempre pavimentou o caminho trapaceiro para a fama.
Contudo, quando ideias nobres se convertem em obras banais, a pergunta impõe-se: até onde a provocação pode justificar a ausência de qualidade?
Maurizio Cattelan é mestre na arte de provocar. Tem peças brilhantes, questionadoras, capazes de nos fazer pensar, duvidar, julgar. Him, a estátua de Hitler ajoelhado, é talvez uma das suas obras mais fortes. Uma criação que interpela o passado e as dores que atravessam gerações, convidando-nos a refletir sobre o poder, a submissão e a memória histórica. Será que o peso do passado pode, algum dia, ser aliviado? É uma peça que emociona e fere, equilibrando-se entre a genialidade e a ousadia, mas sem respostas definitivas.
Depois, há Comedian. A famosa banana colada na parede com fita adesiva. O cúmulo da ironia, ou talvez o expoente máximo da sátira. Uma piada perfeita que, curiosamente, foi levada a sério demais.
Cattelan parece assim rir-se de si próprio...
É como se a arte contemporânea, tal como a banana, fosse constantemente consumida, neste caso até de forma literal e, ainda assim, continuasse a alimentar a indústria da sobrevalorização. No entanto, a banana em si não é a obra: o que se compra é a ideia, o conceito, e a possibilidade de recriar a peça quantas vezes for necessário. Isso só torna a crítica mais mordaz. Afinal, o que é que realmente estamos a comprar quando adquirimos arte?
Há algo intrigante aqui: estaremos perante uma crise de criatividade ou perante um excesso dela? Será Comedian uma crítica legítima ao absurdo da nossa era ou apenas o reflexo de uma arte que perdeu o rumo? Talvez seja uma questão de tempo até que o incompreendido de hoje seja venerado amanhã. Afinal, Van Gogh morreu na miséria, para ser glorificado no amanhã.
Cattelan, no entanto, parece rir-se da ironia que o cerca. America, a sua famosa sanita de ouro, é frequentemente interpretada como uma crítica à desigualdade e à má distribuição de riqueza, mas ele próprio descreveu a peça como algo universal, acessível tanto a ricos quanto a pobres. É esta ambiguidade que torna a obra tão potente. Ainda assim, o simbolismo da peça foi amplificado pelo contexto da presidência de Donald Trump, associando-a a temas como ostentação e consumismo.
Mas no fim, Comedian talvez seja o exemplo mais certeiro do espírito da arte contemporânea de Cattelan, uma provocação, uma sátira ao mercado de arte e à valorização absurda de objetos banais.
Contudo, ironicamente, foi a própria peça que catapultou Cattelan para um sucesso global. Uma banana colada à parede tornou-se o retrato perfeito do nosso tempo.
Uma banana vendida por valores exorbitantes, envolvendo cifras absurdas para uma obra que não deveria ultrapassar os seus próprios limites, transforma-se numa mensagem milionária que, ironicamente, escancara a ferida que Cattelan talvez não pretendesse expor ao criar America. Afinal, não podemos controlar o mundo. Podemos, no máximo, deixar a nossa marca.
Mas a arte, por mais profunda que seja, nem sempre contemplará o preço que lhe atribuímos. E talvez seja esse o maior golpe de génio de Comedian, uma piada que ri de si mesma, enquanto ri de todos nós.
Mais uma vez, a contemporaneidade surpreende-nos, deixando-nos atónitos perante a prática da arte e a complexidade das suas mensagens. Mais uma vez, a arte apresenta-nos uma mensagem, mas não hesitamos em ridicularizá-la ao atribuir-lhe um preço. E, mais uma vez, torna-se um desafio apreciar a arte sem sacrificar técnicas essenciais para dar forma às suas mensagens.
Gostaria ainda de dizer que a arte contemporânea desafia e reavalia todos os nossos valores, tocando na ferida e causando desconforto no inconfortável. Gostaria de dizer que a arte não tem preço e a mensagem e a técnica prevalecem. Mas em suma, gostaria de dizer que a verdadeira dificuldade não está em aceitar a arte, mas aceitar o que por vezes de ridículo, ela expõe.