A paixão pela fotografia pode começar de formas inesperadas. Para Stephen Wilkes, tudo teve início na infância, ainda menino curioso, como tantos outros, que se permitia fascinar pelo que havia de microscópico e invisível aos olhos desatentos. Foi em uma aula de Fotografia Científica, aos doze anos, que Wilkes teve seu primeiro contato com o universo das imagens e da revelação. “Foi através dessa experiência que fiz minhas primeiras fotografias através de um microscópio”, conta ele, relembrando o assombro diante das microfotografias em preto e branco, nascidas quase como sonhos em papel fotográfico. Aquele instante, diz, foi um marco: “Fotografia tornou-se minha vida, eu não poderia me imaginar fazendo outra coisa”. E ali se instalou não só uma paixão, mas a percepção de que olhar para o mundo era, antes de tudo, um exercício de profundidade, uma recusa ao superficial.

Décadas depois, esse mesmo impulso infantil — de explorar, de insistir na pergunta, de querer ver para além do visível — se transformou em projetos de fôlego, onde tempo, técnica e sensibilidade convergem. Em uma época marcada pela velocidade e pelo excesso de imagens, Stephen Wilkes se consagra justamente por ir na direção oposta: ele nos convida a desacelerar. E é com esse espírito que nasceu a série Day to Night, talvez sua obra mais conhecida e revolucionária, na qual a passagem de horas, luzes e vidas é condensada em um único quadro. É quase um paradoxo: ao invés de congelar o instante, Wilkes busca dilatar o tempo e retratar, numa só fotografia, o que parece impossível – a coexistência do dia e da noite.

Para isso, o fotógrafo se lança em jornadas que podem durar de 10 a 15 horas, posicionado em um mesmo ângulo, observando e capturando cada nuance, cada personagem efêmero, cada mudança sutil na luz e na vida que pulsa ao redor. Ao final, reúne centenas de imagens e, através de um trabalho minucioso de edição, costura momentos distintos para compor uma narrativa visual onde tudo acontece ao mesmo tempo, mas sem ruído: amanhecer e anoitecer, multidões apressadas e o silêncio que antecede a madrugada, a cidade que não dorme e, mesmo assim, muda o tempo todo. “Eu estou basicamente pintando com o tempo. Estou mostrando como o mundo muda, e tudo isso em uma única fotografia”, explicou Wilkes em entrevista ao TED.

A escolha de Nova York como ponto de partida para a série não foi ao acaso. A cidade é, para ele, uma espécie de organismo vivo, onde tudo acontece simultaneamente e em escala vertiginosa. “Cada imagem é um ícone em sua visão e assunto, pois há tanta coisa acontecendo a todo momento dentro da cidade. E é inspirador estudar Nova York como uma forma de vida emergente”, observa Wilkes. A convivência quase íntima com a paisagem – e com seus habitantes temporários – lhe permite perceber padrões e singularidades, gestos que passariam despercebidos em um olhar apressado. É, como diz o artista, “uma visualização da energia que é Nova York”.

Mas a série Day to Night não se limita a Nova York. Expandiu-se para outras metrópoles e cenários emblemáticos: Xangai foi a primeira cidade internacional a receber o olhar atento do fotógrafo. Em cada novo ambiente, Wilkes carrega consigo a convicção de que a tecnologia, aliada à sensibilidade, pode reinventar os limites da fotografia. “A tecnologia digital mudou tudo. Agora eu posso, de fato, manipular o tempo, criar imagens que antes eram impensáveis”, afirma ele em entrevista à BBC. Não se trata, no entanto, de apagar o real, mas de amplificá-lo: as ruas, os prédios, as sombras e as pessoas se tornam camadas de uma mesma história, e a fotografia se revela, mais do que nunca, uma linguagem do tempo.

O trabalho, que mistura fotografia de rua e paisagens grandiosas, exige um olhar científico, quase de pesquisador, mas também uma abertura poética para o inesperado. Há, na obra de Wilkes, um desejo de testemunhar o extraordinário no ordinário. Cada detalhe capturado é uma espécie de homenagem àquilo que passa despercebido na correria cotidiana: uma criança brincando ao sol, um vendedor atravessando a praça, o movimento de um ônibus ou o voo solitário de um pássaro ao entardecer. Nas palavras do artista, “há uma coreografia sutil em tudo, e é isso que me encanta. Eu quero contar essas histórias que só existem na passagem do tempo”.

Ao longo de mais de duas décadas de carreira, Stephen Wilkes já recebeu inúmeros prêmios e expôs em museus e galerias de todo o mundo. Foi reconhecido como Adweek Magazine Photographer of the Year, ganhou o Alfred Eisenstaedt Award for Magazine Photography e o Sony World Photography Awards Professional. Suas imagens foram publicadas em revistas como Vanity Fair, Time e The New York Times Magazine, tornando-se referência para fotógrafos e amantes da arte.

Além de Day to Night, Wilkes já produziu outros trabalhos de profunda sensibilidade, como a série sobre Ellis Island, na qual documenta as ruínas do hospital psiquiátrico da ilha, espaço emblemático na história da imigração europeia nos Estados Unidos. Ao fotografar o abandono e a memória, o artista parece sussurrar que o tempo – mesmo quando destrói – pode ser também um lugar de reencontro e reconstrução. “Cada espaço vazio conta uma história. Eu tento dar voz a esses lugares esquecidos”, disse ele ao The Guardian.

Contemplar as imagens de Stephen Wilkes é, de certo modo, um exercício de reconciliação com o tempo. Ele nos convida a desacelerar, a perceber o que escapa ao olhar cotidiano e, principalmente, a celebrar a beleza do transitório. Em tempos tão acelerados, onde tudo se apaga rapidamente na tela do celular, sua fotografia parece um convite para nos demorarmos, para escutarmos as cidades, para reinventarmos nosso jeito de ver.

No fim, resta a pergunta que Wilkes nos faz silenciosamente: o que vemos, de verdade, quando olhamos? O tempo, talvez, seja apenas uma invenção para que não percamos a poesia da vida em movimento. E, diante de suas imagens, é impossível não se deixar levar por esse encantamento. Como escreveu Italo Calvino em As Cidades Invisíveis, “a cidade não conta seu passado, mas contém como as linhas de uma mão, inscrito nas esquinas das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nos mastros dos postes, em cada segmento de seus percursos, a cidade escrita nos arranhões, nas dobras, nos sinais e nos esquecimentos”. Wilkes fotografa tudo isso – e um pouco mais.

Referências

Entrevista Stephen Wilkes – Sony World Photography Awards.
Stephen Wilkes – TED Talk: “The passing of time, caught in a single photo”.
Photographer Stephen Wilkes shows day to night in one image.
Street artist revisits ghosts of Ellis Island hospital.
Site oficial de Stephen Wilkes.
Stephen Wilkes, USA.