Só envelhece quem não morre! Escutamos isso sempre. Na verdade, e a todo instante alguém fala sobre o assunto.

Os jovens têm resistido a ideia de ter filhos, talvez e não só por isso o tempo de se ter filhos tenha se esticado tanto, mas essa é uma opinião muito pessoal, para além da medicina avançada. Se não conseguimos de um jeito, a vida nos coloca outras opções e assim vamos cabendo e nos transformando, continuando o ciclo da vida, talvez de forma mais lenta, mas sem deixar de existir.

Caber é uma boa palavra para quem é velho. Aqui no Brasil isso é pura novidade; tanto ser velho quanto caber em algum lugar. Acredito até que é uma daquelas situações em que vemos e fingimos que não está acontecendo, porque não queremos lidar com isso. Um país que sempre se orgulhou por ser jovem, e que faz uma apologia a tudo que é novo desde pessoas até as tendências, nada que pareça mais antigo é sinal de orgulho. Uma pena! Existe um movimento que considera o olhar sobre o velho importante, mas a mudança de paradigma é preguiçosa, lenta e cruel. Assim como a ideia da morte, mas esse é um outro assunto difícil para um país solar, alegre que não vivencia seus lutos.

Ser velho ainda em muitos lugares significa não ter lugar nem aqui ou acolá. Tudo vai se estreitando como no trabalho, no poder, na troca de ideias que parece ficar obsoleta, as casas não comportam a bagagem que acompanha um velho, mesmo que sejam imensas e tenham paredes para quadros seculares.

A exclusão para aquele que envelheceu é ostensiva recheada por um discurso não acolhedor como se todo esse legado também trouxesse um espelho apontando para um lugar aonde não se quer chegar. Como uma dura negação e ao mesmo tempo contradição, essa situação esconde aquilo que não se quer ver e pode parecer mais aliviador. A velhice de alguma forma conversa com a finitude e como não falamos a respeito desse assunto, escolhemos não lidar com um tempo de vida tão particular, importante e cheio de experiências incríveis, sejam elas lindas ou ordinárias, mas vividas.

Acredito que em diversas partes do mundo e talvez nas mais crescidas e sábias sociedades, também houve um aprendizado quanto a longevidade, mas aqui parece assustar mais que o real desejo de aprender e lidar. Com isso o atraso de atitudes mais empáticas, ações mais humanitárias e consistentes bem como discussões mais aderentes a rotina de trabalho, moradia, saúde e convivência tem sido tardio, penoso e pouco eficaz. Não é um corpo estranho que chegou e agora precisa ser analisado, mas sim a vida dando passagem e se fazendo acontecer.

Por outro lado, o excesso de zelo de alguns para com a situação que por si só desagua na iminência da finitude é tão desgastante e sufocante que contribui para a precoce demência, a despeito de toda potência e identidade vivas. Todo esse olhar de estranheza para o ciclo da vida anda de braços dados com a demência real. São dois lados da mesma moeda. Subestimar o outro com uma proteção desmedida e ignorar a sabedoria do idoso tornando-o inseguro, e de fato doente, por vezes até ridículo ao querer se provar saudável.

Nada traz paz ao caminho do envelhecimento. Não há roupas onde ele possa escolher sem se sentir velho demais ou inadequado demais, o cabelo tanto para as mulheres como para os homens é sempre motivo de insatisfação, a comida é feita para aqueles que querem esbaldar-se ainda com um metabolismo em dia ou alimentos reservados a tribo dos fitness. As bebidas são apontadas como pior escolha, bem como um bom queijo, uma fatia de pão regada ao delicioso azeite.

Isso me faz lembrar sempre do “doutor”, um psiquiatra com quem tive a honra de trabalhar por um tempo e muito aprender. Ele dizia que nos finais de semana, o lixo de sua casa não tinha menos que umas quatro garrafas de vinho, e que isso incomodava a vizinha. Ele morreu idoso e não sei se a bebida pagou essa conta, mas foi feliz, viveu e saboreou a própria velhice, de forma impecável, inteligente e sedutora.

Quando observamos aquelas velhinhas com cabelos lilás ou aquele outro com uma bela tatuagem estampada e uma prancha de surf nos braços, chega parecer uma ostentação de tanta irrealidade ou uma esbórnia da existência, mas na verdade é apenas a continuidade do desejo desejando se realizar. E como isso sugere juízo de valor da pior maneira possível. Inacreditável! Como se fosse ruim viver desse jeito.

Será que aos velhos caberia apenas a culpa amenizada pelas suas orações e frequentes idas aos templos religiosos, as televisões recheadas de tragédias que os induzem a pensar que o reino da gloria é o melhor lugar para se estar, e que devem seguir pensando na morte, mais que na vida, com cabelos muito bem-comportados, roupas quase que assexuadas e as reclamações daquilo que já passou e não volta mais, é o que de fato importa?

De certo não! Cabe viver, enxergar a vida sob outra ótica, conversar com o seu próprio rim, fígado, intestino, coração, e cérebro, pedindo passagem para atravessar o portal de um outro tempo. Criar condições de felicidade que leve aos planos que ainda estão por se realizar. Gritar aos quatro ventos sua liberdade, sabedoria acumulada, falar e repetir todas as suas experiências e esquecer de um monte de outras coisas irrelevantes, comum a uma memória antiga e já bem usada. Esbanjar o pó da estrada e postar-se bem ali aos olhos de si mesmos e dos outros, para que o incomodo se torne apenas um sentimento ruim daqueles que não conseguem lidar com as diferenças.

Nos vemos já!Já!