Quinta-feira de maio e a busca incessante da vez era por descanso, aconchego e paz, semelhante ao abraço que se preza apertado ou mais do que qualquer afeto acentuado — fui à praia de Ipanema desinteressado. Tudo era surpresa, e eu de surpresa não gosto, surpreso com tudo por ali estava. Com amor, calor e cansaço, lembro-me que meus pés estavam descalços quando percebi que aquela areia era diferente do que estou habituado: clara, quente, bonita e cheia de gente.
A felicidade e o amor, de longe, não são objetos de compressão que me despertam interesse em escrever. Mas, naquele dia, estavam presentes. Havia felicidade tanto pelo distanciamento da não-vida que outrora tinha, quanto pela proximidade do novo que ali vivia. Pisando naquela areia quase branca, os grãos dela em contraste com meu pé me lembravam — “menino de Barros, o que faz com os pés em outro estado?”. E dentro de mim, respondi — “Foram por coisas que, em meu peito, rasgo e trago, como fosse cravo. Senti necessidades outras além da batalha diária contra as outras dimensões que preciso lidar de uma vida cansada e pacata. Trago comigo mais do que o enfado, pois sou mais que ele, sou também o contrário”.
Me recompus, balancei a cabeça para os lados e me (re)localizei. Além da areia, o mar, o céu, o Pão de Açúcar, os animais, os prédios e as pessoas estavam presentes. E em todos esses elementos, hoje presentes em minha memória ardente, havia uma neblina envolvente. Seria o meu sentimento estético do momento que se fazia ali presente? Era ela, aquela fina neblina, um véu claro de uma noiva feliz e sorridente. Naquele dia, havia algo que veemente posso dizer que amo: cinco e meia da tarde, a vista do sol se pondo. Ele se punha atrás dos prédios, e não era só isso que me chamou a atenção — o sol estava indo embora com um recado esperançoso no ar, sem nenhuma aparente razão.
Esperança é aquele sentimento que me cansa? Talvez naquele dia eu quisesse confiar nesse recado e entrar naquela dança. Li que a experiência ou vivência que se nomeia “estética” supõe uma postura desinteressada, não necessariamente nomeada por alguém em particular. É um modo de se relacionar com o mundo e, ao mesmo tempo, curiar o mundo. Provavelmente era isso que estava acontecendo ao meu redor, e na minha frente.
O sol já havia sumido entre as esquinas dos prédios da avenida. Olhar para o céu, na areia daquela praia, me dava cada vez mais estesia — a lua apareceu pouco sombria, mas evidentemente sóbria. Indo de encontro à praia, disseram-me que havia uma bandeira vermelha hasteada na areia. (In)feliz de mim, que na praia de Ipanema, a maresia do lugar deixou minha atenção desatenta. O clima de fim de tarde me convidou à percepção estética de ver a vida ainda enquanto bela. Ali, lembro-me de quando eu, em minha vívida infância, na praia ou piscina ia e lá permanecia. Senti o cheiro d’água, era o mesmo e eu já o conhecia.
Pelo olfato, lembrei-me de que naquela época não havia hora, nem nada no caminho, somente a vida. A palavra demora não surtia em mim efeito quando eu estava na praia com meu corpo de barro, pele salgada e olhos de amora — “sê tu presente, enquanto ainda bate o teu coração que no batimento se demora, e no sentimento se encolhe e se escora”, dizia minha mente cheia de memórias. Pisco os olhos e vejo que estava de frente ao mar a me puxar para dançar, e eu não sabia dançar. Porém, quanto mais ele puxava, mais eu mergulhava e me lembrava de que vivo eu ainda estava. Naquele momento, boiando embaixo da lua cheia no mar de Ipanema, em minha memória marquei as coisas simples que outrora posterguei: tenho sonhos que não sei. Tenho uma vida que não aproveitei e nem sequer tinha percebido o quanto já havia crescido.
O homem pós-jovem que custa a vida aproveitar porque deve trabalhar é a premissa mais próxima que devo combater ou (des)acreditar? Meu corpo ali era três coisas: barro, estética e enfado, e na água era apenas o marasmo. O vento soprava, a maresia chegava à respiração, e a vontade de desaguar pelos olhos veio mais do que a compreensão consciente sobre si. Era aquele tipo de momento em que todos os pelos do corpo se movem, a coragem envolve e, ali, me dizia que ainda tenho vida pela frente para não ser somente jovem.
Na verdade, havia ali em mim um apontamento, desde cedo: o quanto a experiência estética naquele dia e mar de Ipanema me havia envolvido.