As bibliotecas só aparentemente são casas sossegadas. O sossego das bibliotecas é a ingenuidade dos ignorantes e dos incautos. Porque elas são como festas ou batalhas contínuas e soam canções ou trombetas a cada instante.

(Valter Hugo Mãe)

A partir do trecho do conto Bibliotecas, de Valter Hugo Mãe1, neste texto vamos refletir sobre um atributo comumente atrelado ao espaço da biblioteca escolar: o silêncio.

Ao longo da minha vida, frequentei diversas bibliotecas escolares como aluna e como professora. Nesse caminho, uma coisa que sempre observei foi a frequência com que bibliotecas eram tratadas como espaços muitas vezes intocáveis e incomunicáveis.

Recentemente, me veio à tona o tema das bibliotecas quando minha filha mais nova, aluna do Infantil em uma escola pública municipal, chegou em casa comentando sobre sua visita à biblioteca. Toda semana, a turma vai até o espaço com a professora para pegar emprestado um livro para trazer para casa. Ao contar sobre sua visita, a menina falava em tom baixo, praticamente sussurrando. Perguntei a ela por que estava sussurrando, e ela me respondeu “porque a professora disse que na biblioteca era preciso ficar em silêncio”.

A atmosfera do silêncio é um atributo tradicionalmente relacionado à organização das bibliotecas. Nesse sentido, elas podem oferecer acolhimento e tranquilidade aos alunos, o que nem sempre é possível em outros espaços de uma escola. No entanto, embora a experiência do silêncio seja um momento importante para a aprendizagem, como em práticas que desenvolvem a contemplação e a observação, ela não pode ser impositiva ou considerada um suplício2. A partir disso, podemos questionar que significados da biblioteca têm sido historicamente construídos por alunos, professores e funcionários dentro da escola? Nesse contexto, podemos mencionar a biblioteca como um espaço de leitura quieta e silenciosa. Em relação ao silêncio, ela pode tanto representar um espaço de refúgio da agitação da sala de aula, destinada à pesquisa e à concentração. Por outro lado, quando relacionada à rigidez e ao silêncio imposto, pode configurar um repositório de livros ou, no pior dos casos, um espaço punitivo, de tolhimento da liberdade, para onde são encaminhados alunos com mal comportamento.

Essa noção da biblioteca escolar como um lugar exclusivamente silencioso, um repositório de livros, por vezes sacralizado, é comum tanto em escolas públicas quanto privadas. Esse entendimento pode estar relacionado a uma concepção ultrapassada da educação como reprodução do conhecimento, portanto, transmissiva e coercitiva3. O potencial de uso da biblioteca é muito mais amplo do que um lugar para leitura ou consulta individual, ou ainda para pegar um livro emprestado na ponta dos pés.

Desse modo, ressignificar o espaço da biblioteca reflete uma mudança mais ampla no paradigma educacional, centrada no sujeito que aprende. Com isso, as bibliotecas passam a ser vistas como espaços potenciais para experiências de aprendizagem significativas, que incentivem a colaboração, a criatividade e a interação entre os alunos. Nesse contexto, a biblioteca pode ser o espaço para momentos de leitura ou pesquisa silenciosa, mas também para a interação em grupos de leitura, o desenvolvimento de práticas de multiletramentos, a interação com diferentes artefatos, em que seja possível explorar o espaço físico e enriquecer a aprendizagem.

Segundo Valter Hugo Mãe, adianta pouco manter os livros de capa fechada e menos ainda as bibliotecas silenciadas. Em “Bibliotecas”, o escritor explora a capacidade de os livros transportarem o leitor para diversos lugares:

Para o outro lado do mundo ou para outro mundo, do avesso da realidade até ao avesso do tempo. Fora de tudo, fora da biblioteca. As bibliotecas não se importam que os leitores se sintam fora das bibliotecas.

Ou seja, mais que pensá-las como espaços repletos de normas de comportamento, que as bibliotecas possam ser lugares onde nossos pequenos e jovens leitores sintam-se encorajados a interagir, criar e compartilhar diferentes modos de ler, falar e produzir sentido.

Notas

1 Mãe, Valter Hugo. Bibliotecas. Escrevendo o futuro, ago. 2023. Disponível em Revista Digital Escrevendo o Futuro.
2 Campello, Bernardete Santos (compiladora). Biblioteca escolar: conhecimentos que sustentam a prática. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
3 Durban, Glória Roca. Biblioteca escolar hoje: recurso estratégico para a escola. Porto Alegre: Penso, 2012.