A expressão Environmental Racism, racismo ambiental em português, foi criada pelo americano e ativista político Benjamin Franklin Chavis Jr. na década de 1980. Benjamin, que foi assistente de Martin Luther King na juventude, observou que os depósitos tóxicos no estado da Carolina do Norte atingiam predominantemente a população negra. O que se seguiu na história americana foi o reconhecimento de que o fator raça era determinante na alocação de passivos ambientais e assimetria dos ônus, com conclusão, por parte da Comissão por Justiça Racial e do estudo de Robert Bullard, de que havia preferência em submeter comunidades negras a piores condições ambientais, mesmo quando essas comunidades eram de classe média.

A despeito de ter sido uma colônia escravista como os EUA, o Brasil teve sua história marcada por diferentes relações políticas e sociais entre seus povos. Por isso, as diferenças entre os dois países impedem a construção de paralelos na aplicação do fator raça de forma independente do fator socioeconômico. Aqui, os marcadores “raça”, “classe”, “povos” e “território” se complementam e se interseccionam.

Nossa desigualdade social está imbricada com o racismo estrutural, segundo o movimento antirracista. A partir disso, o racismo ambiental brasileiro deve ser compreendido e enfrentado a partir de nuances próprias de nossa história. Dentre as especificidades brasileiras, a tentativa de embranquecimento da população entre os séculos XVIII e XIX e a divisão social do trabalho que reservava ao grupo negro, mesmo após a libertação da escravidão, o confinamento ao trabalho braçal e a falta de acesso à educação.

Além disso, no Brasil, os povos originários têm usufruto exclusivo de território garantido pelo artigo 231 da Constituição, mas são constantemente pressionados a defender seu território e seu direito originário à terra, como é o caso da proposta (inconstitucional) do Marco Temporal. Parte das terras indígenas no Brasil sofre com graves violações de direitos humanos, impulsionadas por atividades criminosas como o garimpo ilegal, o desmatamento e a exploração ilegal de madeira, por exemplo.

No cenário político brasileiro contemporâneo, é comum que a dimensão ambiental seja considerada de menor importância frente às questões consideradas mais relevantes como a desigualdade socioeconômica, com implicações agudas e presentes no cotidiano urbano.

No entanto, os conceitos de racismo ambiental e de justiça ambiental atualizam a suposta neutralidade da dimensão ambiental à erosão das condições humanas da existência, nas grandes cidades inclusive. Afinal, o discurso ambiental que se isenta de discutir as desigualdades sociais é herdeiro da visão separatista do homem e da natureza. Hoje, quando a dimensão socioambiental se apresenta como uma coalizão de fato, nossos enfrentamentos políticos, além das políticas de acesso à educação e saúde, devem garantir, como assegurado pela Constituição no artigo 225, o direito ao meio ambiente equilibrado a todos os brasileiros e a todas as brasileiras.

Em janeiro deste ano, a ministra da igualdade racial Anielle Franco falou de racismo ambiental ao considerar o impacto desigual das fortes chuvas do Rio de Janeiro e de São Paulo. A repercussão de sua afirmação no planalto revelou a falta de conhecimento sobre o tema e a subsequente defesa dos ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos), Marina Silva (Meio Ambiente) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas) referendaram a validade do uso da expressão.

As catástrofes naturais e os acidentes provocados pela ação humana atingem a população de forma desigual. Os grupos mais afetados são a comunidade negra, os povos originários e a população marginalizada em geral. É possível observar que os resíduos e os dejetos tóxicos das grandes indústrias são armazenados em territórios longe das áreas nobres e perto das áreas periféricas. Os acidentes dos reservatórios tóxicos, de Mariana e de Brumadinho, ocorridos em 2015 e 2019, os dois geridos pela empresa Vale do Rio Doce, tiveram como vítimas os trabalhadores braçais da empresa e indígenas dos povos pataxós. Os altos executivos e os acionistas da empresa não foram afetados com as tragédias, porque a lucratividade da Vale não sofreu queda, pelo contrário, houve aumento do valor do ferro no mercado. Diante disso, como não considerar a desigualdade das tragédias naturais ou resultantes de acidentes?

Estudiosos expoentes do movimento pela justiça ambiental como Joan Martinez Alier, economista catalão, e o economista brasileiro Henri Acselrad defendem, em última instância, o equilíbrio no embate entre os interesses econômicos e ecológicos, posto que os interesses econômicos têm sido dominantes nas conduções políticas. Pensar a economia pela ecologia e a ecologia pela economia requer uma mudança de valores, principalmente dos valores capitalistas guiados unicamente pela acumulação imediatista de capital, sem o planejamento estratégico de longo prazo no uso de recursos e na promoção da qualidade da vida humana, da conservação da terra e dos seres vivos.